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17 ABR 2023
OPINIÃO | "A Abrantes nas vésperas do 25 de Abril – Os braços do regime", por Estêvão de Moura
Por Jornal Abarca

Em 1974 Abrantes era uma cidade onde se podia viver com uma relativa sensação de liberdade. As forças do regime: A União Nacional (UN) e o seu braço “armado” a Legião Portuguesa (LP) eram uma espécie de fantochada a que ninguém, mas sobretudo os jovens, ligava nenhuma.

Lembro-me que a sede da LP, onde pouco acontecia, era na Rua Luís de Camões. Mas não tenho ideia de que a UN tivesse uma sede. Se tinha, não tenho memória de onde ficava.

O que era visível era a diferença de “estatuto” entre a LP e UN, como veremos adiante. O braço armado (a LP) parecia uma coisa mais popular, de pessoas pouco instruídas; enquanto a UN (o braço ideológico) era mais ligado a alguma elite local (sobretudo dos proprietários e comerciantes). Como se comportavam estas duas organizações e qual era o seu peso na sociedade abrantina?

Os legionários eram personagens praticamente inexistentes. O personagem mais conhecido da LP era o Sr. Caldeira, Varredor de Profissão na Câmara Municipal; pessoa insignificante e meio atarantada (de quem hei-de contar aqui uma história impagável). Era, de todos os informadores da PIDE existentes em Abrantes, que os havia, o mais conhecido - embora se suspeitasse que trabalharia sobretudo para a LP: a sua principal função era tomar conta da sede da LP, onde vivia e que ali pelos finais dos anos 50, princípios de 60 ainda abria portas. Depois estava quase sempre fechada. Daqui, não vinha qualquer perigo, tal a irrelevância da organização em Abrantes.

E da União Nacional o único com notoriedade, mas mais interessado nas vacas que criava e no leite que vendia do que na política, era o Chefe o (Dr.) Chambel. Literalmente ninguém se importava com ele. Nem tinha um estatuto muito brilhante. A sua intervenção pública tinha saído muito debilitada com um conjunto de reportagem que um media local (o Jornal de Abrantes?) dedicara à sua exploração agrícola, que se encontrava às portas da cidade (e responsável pela contaminação de aquíferos e maus cheiros).

Toda a gente sabia quem eram os partidários do regime. Como da oposição. Isto no campo político. Há pelo menos uma década, desde o início da guerra em África que a vida social na cidade girava mais à volta das questões sociais do que da política. Dois espaços públicos tinham uma importância nesta época: (I) a Biblioteca; e (II) o Largo Barão da Batalha, com o “Muro da Vergonha” a tornar-se o epicentro da vida abrantina; de entre os espaços privados destacavam-se os cafés, com o Pelicano a ser o mais frequentado (e o Chave D’Ouro a ser o mais “abrantino”) e o Hotel, local preferido das pessoas mais abastadas e menos ligadas à vida social da cidade.

Como era, então, viver em Abrantes ao tempo do 25 de Abril? A resposta é simples: vivia-se bem! Com cuidados redobrados, devido à falta de liberdade política; mas esta dimensão da vida urbana era compensada com a grande liberdade social (em crescendo) e a muito significativa liberdade de pensamento que era possível para quem a quisesse ter.

É claro que se formos comparar o que é a vida hoje com o que era a vida desses dias, encontraremos diferenças muito significativas. E nem todas as diferenças são para pior. Por mais incrível que possa parecer existiam coisas no modo como se vivia em Abrantes ao tempo do 25 de Abril que eram melhores do que são hoje: de entre elas destaco a “coesão social”; a cidade e os seus habitantes eram mais solidários e a vida social mais aberta e menos competitiva.

Na Abrantes ao tempo do 25 de Abril toda a gente se conhecia (o que era diferente de: “toda a gente se dava com toda a gente”). Não erámos muitos. E para isso também contribuía a estabilidade social, que era muito superior (não quer dizer melhor) à que existe nos dias de hoje.

De lá para cá mudou muita coisa. E há quem não se reconheça nessas mudanças que, por outro lado, parecem agradar e muito a alguns abrantinos. Sem que, apesar de tudo, a Abrantes de hoje, a cidade, pareça melhor lugar para viver do que era nas vésperas do 25 de Abril.

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