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23 FEV 2024
ÓBITO | Faleceu Rui Rodrigues, antigo futebolista que representou a Académica na mítica final da Taça de Portugal em 1969
Por Jornal Abarca

Faleceu Rui Rodrigues, antigo futebolista que representou a Académica de Coimbra, o SL Benfica, o Vitória SC (Guimarães) e o Têxteis Tarf, tendo-se radicado na Parreira, concelho da Chamusca, há mais de 30 anos onde exerceu a profissão de farmacêutico. Rui Rodrigues foi também internacional português por 12 vezes, tendo marcado 3 golos com a camisola das quinas.

O atleta notabilizou-se ainda por ter feito parte da equipa da Associação Académica de Coimbra que em 1969 jogou no Jamor a final da Taça de Portugal contra o SL Benfica em protesto contra o regime do Estado Novo.

Nascido no dia 17 de Maio de 1943 em Moçambique, Rui Rodrigues faleceu hoje aos 80 anos.

À família e amigos em luto o Jornal Abarca presta as mais sentidas condolências.

Em Agosto de 2020 Rui Rodrigues foi entrevistado pelo Jornal Abarca. Uma conversa que recordamos aqui:

A Taça de todas as Taças
 
No dia 1 de Agosto joga-se a final da 80.ª Taça de Portugal em futebol, entre SL Benfica e FC Porto. Mas nenhuma tem a carga histórica da final de 1969 com a Académica de Coimbra. Entre os atletas que pisaram o Jamor estava Rui Rodrigues, que vive há 30 anos na Parreira, concelho da Chamusca.
 
Depois de 37 anos de finais consecutivas jogadas no Estádio do Jamor, a festa da Taça vai sair do seu habitat natural. Devido à pandemia, o jogo foi transferido para Coimbra. Esse é o rastilho que nos leva a viajar até à explosiva final da Taça de Portugal de 1969, entre SL Benfica e a Associação Académica de Coimbra (AAC).
 
Não houve mordaça que os calasse
Em 1969 Portugal era um país, obrigatoriamente, em mudança. O clima político era marcado pela “Primavera Marcelista” depois de Salazar ter caído da cadeira no verão anterior. O clima social estava marcado por mais de três décadas de ditadura e uma guerra inconsequente em África que matava os nossos jovens.
 
A 17 de Abril de 1969 deu-se o apito inicial para a final que se jogaria dois meses depois. Américo Thomaz, Presidente da República, visitou a Universidade de Coimbra para inaugurar o edifício das matemáticas. Durante o discurso de Thomaz na cerimónia, Alberto Martins, presidente da AAC pede a palavra: “Sua Excelência, Senhor Presidente da República, dá-me licença que use da palavra nesta cerimónia em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra?”.
 
Esse direito foi-lhe negado, os estudantes abandonaram a sala e nessa mesma noite Alberto Martins, com 23 anos, foi detido e centenas de estudantes seriam agredidos pela PIDE. No dia 1 de Maio o Ministério da Educação, liderado por José Hermano Saraiva, ordena o fecho da Universidade e de todas as aulas até à época de exames. Os estudantes reagiram: cancelaram a tradicional Queima das Fitas e decidem fazer greve aos exames. No dia 2 de Junho, em que seriam realizados os primeiros exames, Coimbra enche-se de agentes da GNR e da PIDE para controlar tumultos. Ao medo, os estudantes respondem com amor: no dia seguinte distribuem flores pela população cientes de que não haveriam bastões suficientes que calassem a força do que reivindicavam: melhores condições de
ensino e o fim da guerra colonial.
 
A equipa da Académica começa, naturalmente, a associar-se à luta dos estudantes. Até porque muitos atletas eram, eles próprios, estudantes. A grande caminhada da equipa de futebol na Taça de Portugal tornava-se, assim, a ser um problema para o regime.
 
A 8 de Junho surge o primeiro movimento claro de apoio da Briosa aos estudantes: na primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal, contra o Sporting, a equipa entra em campo de branco e com braçadeiras negras, em sinal de luto académico. Na semana seguinte, outra vez contra o Sporting, proibidos de jogar de branco, colaram uma cruz de adesivo sobre o símbolo em sinal de protesto. E o que o regime mais temia aconteceu mesmo: a Académica eliminou
o Sporting e garantiu o acesso à final da Taça de Portugal.
 
Após esse jogo o regime ditatorial viveu uma semana de incertezas: pensou em cancelar o jogo, em substituir a Académica pelo Sporting na final ou em mudar o local do encontro. Mas, em sinal de cobardia perante a força dos estudantes, a opção foi outra: todas as altas figuras do Estado, incluindo Américo Thomaz, Marcello Caetano e
José Hermano Saraiva, não marcaram presença no Jamor e o jogo realizou-se sem transmissão televisiva.
 
Os jogadores viajaram praticamente sozinhos visto que o treinador suspenso teve de ficar em Coimbra, assim como alguns dirigentes e Vieira Nunes e Artur Jorge estavam a cumprir serviço militar. Ainda assim, tinham o país com eles: à chegada a Santa Apolónica foram recebidos em apoteose.
 
Trocava os campeonatos que ganhei por aquela taça”
A 22 de Junho de 1969 encontraram-se no Jamor duas equipas: o SL Benfica, de Eusébio, Coluna, Simões, Toni ou Jaime Graça; e a Académica, uma equipa de heróis, com Fernando Peres, Vítor Campos
ou Manuel António.
 
Entre estes heróis estava também Rui Rodrigues, à época um jovem de 26 anos, estudante de farmácia, e que há praticamente três décadas vive na Parreira, concelho da Chamusca. Uma verdadeira peça de história viva, que se mostra surpreendido pela nossa abordagem porque “nunca nenhum jornalista da região veio falar comigo”.
 
Sobre a final de 1969, Rui Rodrigues assume que “nunca fui político” e “só queria jogar à bola”. Ainda assim, admite que era impossível passar ao lado do momento histórico. “Tínhamos de dar a nossa palavra ao capitão de equipa e ele é que reunia com as chefias dos estudantes”.
 
O antigo defesa-central lembra-se de entrar em campo “com as capas caídas em sinal de irmos para um funeral” e de olhar para as bancadas, cheias: “Os estudantes naquele momento não se estavam a manifestar, pensámos que podia correr mal”, recorda. Mas rapidamente os estudantes nas bancadas começaram a mostrar tarjas de contestação: “Ao intervalo houve estudantes agredidos pela GNR”, intensificando o ambiente. “Estávamos um bocadinho receosos, aquelas atitudes eram suficientes para sermos mandados para o mato, para a guerra”, temeu.
 
Rui Rodrigues lembra que “todos tínhamos medo de represálias” mas “queríamos muito ganhar aquela Taça para oferecer aos estudantes”, lembra. Foi, por isso, “uma desilusão” a derrota no prolongamento. “Até os jogadores do SL Benfica estavam com admiração pela nossa atitude”, revela. Os golos, naquela tórrida tarde no Jamor, chegaram perto do fim do jogo: aos 81 minutos Manuel António deu a liderança aos estudantes “e não festejou em protesto”, lembra Rui Rodrigues; aos 86 António Simões empatou a partida na recarga a um livre de Eusébio; e foi o “pantera negra” que deu a vitória ao SL Benfica aos 109 minutos. Foi como morrer na praia para Rui Rodrigues, que ainda hoje não duvida:
“Ganhei dois campeonatos com o Benfica. Mas adorava ter ganho a Taça de Portugal em 1969. Trocava esses campeonatos por aquela taça”, diz sem hesitar.
 
De Lourenço Marques à Parreira
Rui de Gouveia Pinto Rodrigues nasceu a 17 de Maio de 1943 em Lourenço Marques, actual Maputo, capital de Moçambique. Sempre praticou desporto, entre basquetebol e futebol, e cedo deu nas vistas com a bola nos pés. “Vim a Portugal pela primeira vez porque fui convocado para a selecção nacional de juniores”, no início da década
de 1960.
 
Nessa altura “tinha convite do SL Benfica e da Académica, mas o meu clube é a Académica”, diz com um sorriso no rosto. “O Dr. Fernando Santos, de Cantanhede, também me ajudou e disse para eu ir para Coimbra estudar”.
 
Foi assim que decidiu tirar o curso de farmácia que, admite, “era mais seguro do que o futebol”. Mas a sua paixão sempre foi a bola e, apesar do seu amor à Académica, não mostra ingratidão por nenhum dos outros clubes que representou, nomeadamente SL Benfica e Vitória SC (Guimarães): “Fiz bons amigos em todo o lado”, mas acrescenta: “Jogar no SL Benfica não é para qualquer um”.
 
Nos encarnados, onde jogou três temporadas, fez dupla na defesa com Humberto Coelho e pertenceu à celebre equipa de Jimmy Hagan que, em 1972/1973, terminou o campeonato sem derrotas somando 28 vitórias e 2 empates: “Fomos campeões a oito jornadas do fim, é um recorde”. Mas não esquece “a época fantástica na Académica em que ficámos em segundo lugar”, remetendo à temporada 1966/1967 quando os estudantes ficaram perto do título.
Rui Rodrigues partilhou o balneário com figuras de proa do futebol nacional mas destaca, entre os melhores, “Augusto Rocha, que a maior parte das pessoas não conhece. O Sporting deixou-o fugir para a Académica porque era pequenino. O primeiro jogo dele foi precisamente contra o Sporting e o Rocha partiu aquilo tudo” conta sorridente; “Jorge Humberto que tinha uma velocidade incrível, era difícil de parar”; e “o Eusébio, claro”, que já conhecia dos derbies entre o seu 1º de Maio e o Sporting de Lourenço Marques, em Moçambique.
 
Não esquece os doze jogos que efectuou pela selecção nacional de futebol, evocando a figura de Otto Glória: “Era um homem que falava ao coração das pessoas, é impossível esquecer-me dele”. Nestas doze partidas com as quinas ao peito fez mesmo três golos, um dos quais que recorda com vaidade: “Foi contra a Inglaterra, o Toni meteu a bola para o lado e eu rematei a quarenta metros da baliza… se o Ronaldo hoje marcasse um golo daqueles…”, desabafa.
 
Mais tarde abraça a carreira de treinador: “Adorei a experiência”. Na década de 1980 viaja para Angola, onde permanece cinco anos ligado ao desporto: “Depois fui treinar o Ferroviário de Maputo, mas o Ruy Mingas, ministro do Desporto de Angola, não aceitou isso bem”, diz mostrando alguma mágoa. “Em Moçambique treinava os miúdos e
os séniores, estava no meu mundo”. Terminada a aventura decide regressar a Portugal e é em 1995 que “regresso ao SL Benfica pela mão do Artur Jorge e fui treinar os miúdos com o Chalana e o Prof. Morais”.
 
Instado a recordar algumas das crianças que treinou fala de “Miguel Veloso, que tinha um pé esquerdo muito bom. Era gordinho mas tinha muita força de vontade”, e também de Rúben Amorim, actual treinador do Sporting: “Já era bom jogador, comigo era titular”.
 
Nesta altura já vivia na Parreira, para onde se mudou em 1991, quando regressou de Moçambique. “O meu amigo Joaquim Cabeça, já falecido, tinha duas farmácias na Chamusca. Quando venho de Moçambique fui ter com ele para ver se me arranjava emprego. E ele disse que me ia arranjar uma farmácia”, um gesto que não esquece e relembra com gratidão. “Viemos falar com o presidente da Junta de Freguesia e instalei-me aqui já lá vão quase 30 anos”.
 
Lembra um início complicado, até porque “não conhecia aqui nada”, mas, três décadas depois, o balanço é positivo: “Gosto de aqui estar, é pacato”.
 
Sobre a Taça de Portugal deste ano, jogada no estádio da “sua” Académica, está convicto de que o FC Porto sairá vencedor no duelo com o SL Benfica. Mostra tristeza pelo actual momento da Académica, há quatro anos na segunda liga nacional e longe dos desígnios de outros tempos, e termina com um nostálgico desabafo: “Tenho saudades do
futebol”.
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