Apesar do nome, não há touros por ali, nem é seguro que alguma vez tenha havido. De todo o modo, por obscura razão, que pode ter que ver com nomes de família dominantes ou com simbólica de brasões de épocas muito recuadas, já no início do século XIII aquelas eram as chamadas terras do Touro.
Nesse tempo, em que Portugal era ainda um país em formação, a fronteira com o reino de Leão era o rio Coa e, para a defender, de um lado e do outro, se foram erguendo castelos. Do lado de Leão, na margem direita, Vilar Maior, Alfaiates e o Sabugal; do nosso lado, Sortelha e, precisamente, o imponente Alto da Pena, nas terras do Touro que então pertenciam ao termo (ao concelho, dizemos nós agora) da Guarda. Como ficava longe, a Guarda resolveu doá-las aos Templários e, em 1220, o mestre da ordem concedeu foral à povoação que passou a designar-se Vila do Touro. Já lá vão, portanto, mais de 800 anos!
Entre as obrigações da população estava a de construir um castelo para defender a fronteira. Ergueram-se as muralhas e algumas edificações, mas as obras, que sempre tiveram a oposição da Guarda, receosa da ameaça que o castelo poderia representar para o seu domínio territorial, nunca chegaram a ser concluídas. Além disso, em 1297, o tratado de Alcanizes, acordado entre D. Dinis e o reino de Leão e Castela, fez deslocar a fronteira uns quilómetros para nascente, deixando o Coa de ser a raia e perdendo, portanto, Vila do Touro a sua importância estratégica e militar.
Apesar disso, a vila seguiu o seu caminho e mereceu de D. Manuel foral novo em 1510. Testemunho, em pedra granítica, dessa distinção é o elegante pelourinho que se ergue nas proximidades da igreja matriz, também ela construída no século XVI para substituir outra, muito mais antiga, que existira no mesmo local.
As reformas administrativas liberais do século XIX extinguiram centenas de concelhos medievais, entre os quais o de Vila do Touro que, em 1836, foi integrado no concelho do Sabugal. Mas a dignidade de vila mantém-na, patente na sua bandeira esquartelada de amarelo e negro e no seu brasão de quatro torres, ostentando a cruz de Cristo, herdeira da dos Templários, o mítico touro e dois cabeços evocativos das alturas em que está e da importância que essa altaneira localização em tempos lhe conferiu.
Hoje, Vila do Touro, como a grande maioria das povoações do interior do país, é uma terra com pouca gente, menos de 200 habitantes. Mas, como sempre fez durante toda a sua longuíssima História, continua a resistir e fá-lo com qualidade e muita dignidade: o visitante chega e, para além do agradável acolhimento, tem à disposição, em painéis colocados onde convém, informação sucinta, clara e rigorosa sobre o património da vila – para além do pelourinho e da igreja matriz, já referidos, a capela de Nossa Senhora do Mercado, também quinhentista, a capela de São Sebastião, a curiosa Casa do Barroco – assim chamada por integrar na construção um penedo de dimensões impressionantes –, as preciosas janelas manuelinas em casas de algumas das suas ruas e o que resta do inacabado castelo, com destaque para os dois lanços de muralha e a lindíssima e bem conservada porta, de arco ogival, que dá acesso ao espaço interior. Lá do alto, é soberba a vista que se alcança: a serra da Estrela, a cidade da Guarda, o relevo da Marofa, as terras de Espanha, a Malcata.
Aninhada na encosta deste cabeço, tirando partido da altura do terreno e da lonjura da História, Vila do Touro continua a olhar para diante, qual senhora alindada que ali se deixou ficar, como se o tempo não passasse – ou exatamente porque ele passou e foi isso que lhe deu encanto.