A globalização não é coisa nova para os portugueses. São imensos os exemplos de multiculturalidade que influenciaram as nossas raízes ao longo dos séculos. Hoje querem servir o resultado dessas misturas como “portugalidade”, como se isso fosse algo cristalino nunca afectado por outros cunhos. A verdade é que somos o mundo que nos habita, inclusive das comunidades imigrantes que pisaram o nosso solo.
Deixemos, por fim, a gastronomia para nos dedicarmos à música. O kuduro e o funaná são géneros musicais africanos, respectivamente de Angola e Cabo-Verde, hoje em dia amplamente disseminados na cultura portuguesa. O Kuduro surgiu em Angola na década de 90 do século passado e chegou a Portugal por meio das migrações, estabelecendo-se nas periferias urbanas e ganhando notoriedade a partir dos anos 2000 graças ao sucesso de bandas como os Buraka Som Sistema. Já o funaná tem origens ligadas a ritmos rurais, como o "badju gaita" (baile com acordeão), e hoje faz parte do repertório da imigração cabo-verdiana em Portugal.
Também o fado, que provavelmente o leitor imagina como a mais nativa das criações portuguesas, tem fortes ligações das comunidades estrangeiras. Se tem dúvidas compare a típica guitarra portuguesa com um alaúde árabe para entender as semelhanças e inspiração do instrumento nacional. O historiador Rui Vieira Nery defende que o fado nasceu da fusão de modinhas e do lundu, uma dança sensual de origem africana, que chegaram a Portugal com o regresso do Brasil da Corte em 1830. Outras teorias apontam para a influência dos cânticos mouros na origem do fado, além da atmosfera multicultural de Lisboa que, com o convívio entre marinheiros, comerciantes e escravos, criou um terreno propício para que estas influências musicais se fundissem. Ou seja, aquilo que hoje tanto repele alguns, como é a multiculturalidade nos bairros lisboetas, deu origem a algo que tanto orgulha esses mesmos contestatários.
Pode ler o artigo completo na edição de Dezembro do Jornal Abarca.