Dois irmãos, dois tramagalenses, dois treinadores de futebol, duas paixões pelo mesmo mundo
Ricardo Moura, 38 anos, técnico principal da União Desportiva da Serra, equipa do distrito de Leiria que milita na 2ª Divisão B nacional Zona Centro, e Telmo Costa, 34 anos, técnico principal da equipa de juniores do Sporting Clube de Portugal, partilham desde cedo nas suas vidas a mesma vocação
Ricardo Moura: experiência e ambição
“O futebol foi e será sempre uma paixão. Desde cedo que estou ligado a esta modalidade, já lá vão quase 30 anos, primeiro como jogador e depois como treinador. Acredito que continuarei sempre ligado ao futebol, de forma mais ou menos directa”. Nestas palavras encontra-se o ADN de Ricardo Moura, treinador que, apesar de jovem, tem já muitos anos de futebol. Acumula a experiência com ambição, o que faz com que tenha ideias objectivas sobre as dificuldades que um treinador enfrenta, mais ainda num percurso que, para já, o situa numa equipa da 2.ª Divisão B nacional. “O maior problema para um treinador nesta divisão é a dificuldade em profissionalizar uma equipa/clube, sobretudo ao nível das mentalidades, em que os seus jogadores não são profissionais de futebol, dado terem outros empregos e treinarem no final do dia. Para além desta dificuldade ao nível dos recursos humanos, existem também dificuldades ao nível das condições de trabalho, o que por vezes limita a própria qualidade do treino”.
O seu percurso de técnico iniciou-se em 1995-1996 como treinador adjunto, no Clube Desportivo de Torres Novas e, ao longo dos últimos 15 anos, passou por vários clubes. Em 2004, começou a aventura como treinador principal.
A sua experiência permite-lhe ser pragmático quanto aos objectivos para esta época. “Quando se fala em objectivos, normalmente, pensa-se em resultados a médio/longo prazo, o que para mim não é o mais importantes. Não interessa definir objectivos para uma época, quando as derrotas nos primeiros jogos põem em causa esses mesmos objectivos. Prefiro traçar metas a curto prazo, jogo a jogo e, simultaneamente, objectivos de rendimento, que nos permitem ter consciência da evolução da equipa mesmo que os resultados não apareçam de imediato. Relativamente a esta época, a equipa está a evoluir ao nível do jogo e acredito que dessa forma vamos subir na tabela classificativa e ficar nos lugares da frente”.
O clube conta com uma formação que é fundamental em qualquer equipa e tenta subir degraus na sua afirmação. “A União da Serra tem todos os escalões de formação, à excepção dos Juniores. Penso que tem vindo a evoluir ao nível da estruturação da formação, mas ainda não é fácil para os jogadores que vêm da formação imporem-se na 2.ªB”.
Vida de treinador
A vida de treinador é feita de altos e baixos. Um mau resultado, por vezes, significa o desemprego. Ricardo Moura prefere ver a situação de outra forma. “Lido com esse aspecto com naturalidade, porque tenho consciência que essa é a realidade do futebol. No entanto, prefiro não pensar no assunto e focalizar-me no trabalho que tenho de desenvolver para que a minha equipa obtenha bons resultados”.
Nesse trabalho, o treinador tem de ter as necessárias características que lhe permitam ultrapassar quaisquer percalços que surjam e que se reflectem no desempenho enquanto técnico. “Procuro ser um treinador com uma liderança forte, direccionada para o rendimento, tendo como vectores fundamentais a organização da equipa, a ambição e o espírito de grupo. Pretendo que as minhas equipas sejam organizadas, baseando a metodologia de treino na organização de jogo. Devemos ser fortes defensivamente, criando para isso uma estrutura compacta, com as linhas juntas, assentar o nosso jogo na posse de bola, para poder decidir entre atacar ou retirar a iniciativa ao adversário e ser agressivos nos momentos de transição”.
Um bom treinador é, para Ricardo, aquele que potencia algumas qualidades e evita outras características. “Um bom treinador tem de ter várias qualidades, sendo todas elas importantes para o sucesso. No entanto, destaco a capacidade de liderança, porque se o treinador não for um bom líder, se não conseguir passar a mensagem aos jogadores, todas as restantes qualidades ficam condicionadas. Deve, por outro lado, evitar pensar que já sabe tudo, não aproveitando o conhecimento dos que nos rodeiam (adjuntos e jogadores), e evitar deixar de investir na sua formação”.
O treinador português é dos melhores a nível internacional como muitos advogam? “Em Portugal há bons e maus treinadores, tal como nos outros países. Por vezes, o que nos pode distinguir dos outros treinadores é o facto de as limitações que temos ao nível dos recursos humanos e materiais, nos obrigarem a desenvolver a capacidade de improvisação”. As dificuldades que se apresentam ao nível das estruturas do futebol nacional servem de agravante. Também a situação financeira dos clubes é preocupante e um dos efeitos desta é a recruta de muitos jogadores vindos de fora do país quando, ao mesmo tempo, jogadores portugueses emigram para ligas de nível inferior à portuguesa como a Romena ou a Cipriota. “Os jogadores nacionais vão para essas ligas usufruir de vencimentos que em Portugal não conseguem obter; e por outro lado os clubes portugueses preferem jogadores vindo do estrangeiro, mesmo sendo de qualidade duvidosa, por serem mais baratos para o clube”.
A recente reestruturação das competições nacionais não terá surtido o efeito desejado. Ricardo, enquanto técnico de uma equipa integrada nessa reestruturação, tem uma ideia sobre o que devem ser os objectivos da organização competitiva. “Penso que as reestruturações feitas ou a fazer nos campeonatos nacionais deveriam ter como grande preocupação tornar os quadros competitivos mais competitivos e criar condições aos clubes para se acabar com os ordenados em atraso. Desta forma, acho que deveria manter-se a primeira liga e serem criadas duas séries na segunda liga, havendo assim três ligas profissionais. A Liga de clubes juntamente com os próprios clubes, teriam de criar todas as condições, estruturais e financeiras, para garantir o sucesso destas competições. Todos os outros campeonatos deveriam ser regionais, constituídos por equipas amadoras, reduzindo assim as despesas para os clubes e aumentando a competitividade dada a proximidade dos clubes”.
Ontem, hoje e amanhã
No Abrantes Futebol Clube passou a pior fase da sua carreira, numa altura crítica em que os ordenados em atraso minaram a rápida evolução do jovem clube. Apesar desse mau momento, Ricardo acabaria por festejar mais tarde uma subida de divisão, ao serviço do actual clube. “O melhor momento enquanto treinador foi a subida de divisão, da 3.ª para a 2.ªB”. Situações que surgem na vida de um treinador, sendo que a última, surge na vida de treinadores de qualidade. Ricardo aprendeu com um treinador que também está presente na aprendizagem do seu irmão. “Ao longo da minha carreira de jogador e de treinador adjunto aprendi com todos os treinadores com quem trabalhei, sendo o Rui Gorriz aquele que mais me marcou, pelo facto de estar muito à frente de todos os outros, sobretudo ao nível da organização de jogo”. Apesar de destacar pessoas que o marcam, de um modo ou de outro, tem a sua própria imagem. “Enquanto treinador principal tenho procurado criar a minha própria imagem, estando sempre atento ao trabalho que os treinadores vão desenvolvendo, sobretudo aqueles que têm sucesso. Dos treinadores de maior prestígio, existem vários que aprecio, mas destaco José Mourinho, pela sua capacidade de liderança e pela confiança e coragem que demonstra perante a sua equipa e os seus adversários”.
A União da Serra encontra-se na 8.ª posição da Série C do Campeonato Nacional da 2.ª Divisão com 15 pontos, tendo derrotado no passado fim-de-semana, a equipa do Eléctrico por 3-1 no seu campo, mais uma etapa no percurso do treinador tramagalense. “Neste momento, o meu objectivo pessoal, enquanto treinador, é chegar aos campeonatos profissionais. Sinto que tenho evoluído ao longo de todos estes anos, sei que estou preparado para esse desafio e acredito que a oportunidade vai aparecer”.
Telmo Costa: treinador de juniores do Sporting
O actual treinador da equipa de juniores do Sporting Clube de Portugal (S.C.P.), clube que é conhecido por ser uma fábrica de craques de nível mundial, começou a palmilhar os caminhos do desporto rei em Vale de Mestre, localidade do concelho de Constância. “Foi nos “Relâmpagos”, de Vale de Mestre, ajudava a organizar os torneios dos mais novos e tentava orientar as equipas”. Mas ser treinador nem sempre esteve nos seus horizontes. “Pensei em seguir a carreira militar e ainda entrei na Academia Militar”. Apesar de agora ser técnico dos leões, a sua carreira iniciou-se com um estágio no outro lado da 2.ª circular, no grande rival. “Na faculdade tive a oportunidade de estagiar no Sport Lisboa e Benfica, nas escolinhas, e no ano seguinte fui convidado para trabalhar no Real Massamá”. Foi no Real que permaneceu durante nove anos e durante esse período experimentou várias funções, desde treinador adjunto de Iniciados e Juniores a treinador principal de Iniciados e Juvenis. O próximo passo da sua carreira levou-o para sul, mais concretamente para Albufeira. “Tive o prazer de trabalhar com Rui Gorriz no Imortal durante uma época na II Divisão B, e no fim dessa experiência regressei ao Real Massamá mas apenas por seis meses”. Acabou por ser curta a segunda passagem por Massamá, isto porque o leão o recrutou. “Apareceu o convite do Sporting através do meu colega e amigo José Lima e nos últimos três anos fui treinador adjunto dos Juniores do Sporting e desde meados de Novembro, com a remodelação da equipa técnica da equipa Sénior, passei a treinador principal”.
A escola do Sporting é considerada a melhor do país e uma das melhores em todo o mundo, e os grandes clubes mundiais estão sempre de olhos postos em Alcochete, onde fica a Academia, e Alvalade. O que distingue a formação do S.C.P. da dos outros clubes? “Tudo… Há um ambiente extremamente saudável nas relações pessoais entre colaboradores na academia. Em primeiro lugar temos um gabinete de recrutamento excepcional liderado pelo bem conhecido Aurélio Pereira. Depois temos um corpo técnico fantástico, que coloca sempre em destaque o jogador. Trabalhamos segundo objectivos bem definidos e o nosso trabalho não depende exclusivamente dos resultados desportivos mas sim de um trabalho a longo/médio prazo que é avaliado por pessoas competentes”. O resultado desta organização e da qualidade do trabalho é a percentagem de jogadores que a formação destinou para o plantel Sénior do clube. “Têm neste momento cerca de 40% do plantel formado nas escolas do Sporting”.
Simão, Quaresma, Luís Figo, Cristiano Ronaldo, Moutinho, Veloso e muitos outros são produtos da formação do Sporting. A lista é extensa, uns saem para outros clubes, outros seguem carreira nos seniores do clube. Para os treinadores que os formam a sensação é ambígua. “É sempre triste e é com alguma saudade que vemos os jogadores saírem. Por outro lado, ficamos muito orgulhosos por vê-los jogar nas melhores ligas do mundo e alguns serem reconhecidos como os melhores. Treinar o Carriço, o Rui Patrício, que hoje já são jogadores fundamentais na estrutura da equipa Sénior, ou o Nani que hoje joga no Manchester United é um motivo de grande orgulho”.
Para Telmo, o Sporting deve servir de exemplo para os outros clubes nacionais, mais ainda numa altura em que proliferam pelos campeonatos nacionais jogadores estrangeiros que, muitas vezes, têm qualidade inferior aos jogadores nacionais, prejudicando a evolução dos últimos. “Os clubes devem seguir o nosso exemplo e apostar na formação. Só considero realmente importante a vinda de estrangeiros com qualidade suficiente para fazerem a diferença”. Sendo o Sporting um dos principais motores, senão o principal, de constante renovação das Selecções nacionais, a aposta em jogadores naturalizados será um caminho estranho para quem faz vida na formação, até porque Portugal tem tido jogadores a serem premiados com o título de melhores do mundo, caso de Luís Figo e Cristiano Ronaldo. “Esse é um problema que a Federação terá de resolver rapidamente. Haja coragem!”.
1-4-3-3
É este o esquema táctico que é transversal a todas as equipas dos escalões de formação do S.C.P., uma forma de uniformizar e congregar todos os elementos de aprendizagem, facilitando a transição entre escalões. Depois é o técnico que potencia o modelo e todos os aspectos inerentes ao jogo. “A forma como cada treinador trabalha o modelo depende exclusivamente dele, ou seja, a forma como cada treinador coloca a sua equipa a jogar em função do modelo depende de si. O modelo é apenas a forma organizada como a equipa joga. No planeamento dos exercícios e de toda a estrutura do treino, cada treinador é completamente independente”.
A Academia, em Alcochete, que Telmo classifica de “excelente”, é um mundo à parte do mundo. “Chego por volta das 9h00. Equipo-me e vou para o gabinete dos treinadores. Planeio o treino com os meus colegas, passo pelo posto médico para saber as novidades dos lesionados e cerca das 10h15 vamos para o campo. Treino às 10h30 e normalmente ao meio-dia está terminado. Depois é a vez da equipa técnica fazer o seu treino com uma corridinha ou uma “futebolada” até às 13h00, seguido de banho e almoço. Após o almoço, há sempre tarefas. No início da semana é altura para visionar o jogo anterior e fazer a respectiva análise e avaliação escrita. A meio da semana temos reuniões gerais de treinadores para balanço das competições e dos problemas curriculares dos nossos alunos/jogadores e perto do final da semana analisa-se o adversário e planeia-se a estratégia para o jogo seguinte. Por volta das 17h00 é hora de sair”.
Competitivo, agressivo e teimoso
Cada treinador tem as suas características, para Telmo a mais importante é a “inteligência” e a que se deve evitar é “pensar demasiado nas derrotas”. Em campo, Telmo apologista do bom futebol caracteriza-se por ser “competitivo, agressivo e teimoso”. “Acima de tudo gosto que a equipa jogue bem. Gosto que a equipa pratique um futebol apoiado, onde todos os elementos são importantes para o funcionamento global da equipa. Obviamente, que o modelo de jogo e o sistema em que as equipas da formação do Sporting jogam é com o que mais me identifico”.
José Mourinho e Giovanni Trapattoni são os treinadores que servem de exemplo a Telmo, o primeiro actualmente ao leme do Inter de Milão de Itália, com passagens de sucesso em quase todos os clubes que orientou, e o segundo que é o seleccionador Irlandês, que já passou por Portugal tendo treinado o Sport Lisboa e Benfica no último ano de campeão dos encarnados. Mourinho, o cerebral e irreverente, e Trapattoni o defensivo e tipicamente italiano no seu modelo de jogo, conhecido como “a velha raposa”. Com estes exemplos e o seu trabalho e competência o actual treinador do Sporting tem outras ambições e objectivos. “Estou numa fase de preparação para poder um dia alcançar outros objectivos”. Apesar de ainda curta, a sua carreira já teve, obviamente, os seus bons e maus momentos. “O melhor foi sem dúvida quando ganhámos o primeiro campeonato nacional, no último minuto, contra o Porto. O pior foi o último jogo da fase final do ano passado contra o Benfica que foi interrompido aos 26 minutos de jogo devido ao mau comportamento dos adeptos. Foi muito triste para o futebol Português e em especial para a formação”.
A época parece correr de feição. A sua equipa ocupa o primeiro lugar da sua série do Campeonato Nacional de Juniores. “Vamos em primeiro com os mesmos pontos que o Benfica. O nosso primeiro e grande objectivo é formar jogadores com qualidade para poderem representar a equipa Sénior do Sporting. Se o pudermos fazer a ganhar… melhor!”. Ano após ano, surgem novos nomes para o estrelato. Será que sob o comando de Telmo Costa há mais potenciais craques? “: Claro, mas não posso dizer nomes…”.
Em família
Fora dos treinos e jogos, em família, os dois irmãos não costumam falar muito sobre futebol enquanto técnicos como Ricardo descreve. “As nossas conversas sobre futebol são mais conversas de adeptos do que propriamente de treinadores. Não quer dizer que pontualmente, não possamos opinar sobre questões mais específicas do jogo, ou sobre metodologia de treino”. Telmo tem uma opinião a dar sobre o irmão. “O Ricardo é uma pessoa muito inteligente, que percebe muito bem o jogo. Tenho apreendido muito com ele e espero que o trabalho dele seja reconhecido e que em breve tenha a oportunidade de treinar uma equipa de um escalão superior”.
Perfis
Nome: Telmo Farinha Moura da Costa
Natural de Tramagal, 34 anos
Formação: Licenciatura em Ciências do Desporto, Menção em Educação Física e Desporto Escolar com especialização em Futebol, pela Faculdade de Motricidade Humana; Pós-Graduação em Psicologia do Desporto, pela E.S.D. Rio Maior.
Percurso: Estágio no Sport Lisboa e Benfica, escolinhas; Treinador adjunto de iniciados e juniores, Treinador principal de iniciados e juvenis no Real Massamá; Treinador adjunto do Imortal de Albufeira, IIª B; Treinador adjunto dos juniores e treinador principal desde Novembro de 2009 dos juniores do Sporting.
Nome: Ricardo Farinha Moura da Costa
Natural de Tramagal, 38 anos
Formação: Licenciatura em Educação Física; Mestrado em Ciências do Desporto na Área de Especialização de Treino de Alto Rendimento Desportivo, na Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.
Percurso: Treinador Adjunto no Clube Desportivo de Torres Novas, União Desportiva de Santarém, Centro Desportivo de Fátima, Futebol Clube Barreirense; Treinador Principal da Equipa de Juniores A da União Desportiva de Leiria; Treinador Adjunto do Centro Desportivo de Fátima; Treinador Adjunto e depois treinador principal do Caldas Sport Clube; Treinador Principal do Abrantes Futebol Clube e União Desportiva da Serra.