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01 SET 2008
PISÃO CIMEIRO: TERRA DE PRIMOS
Por MARGARIDA TRINCÃO

 

Uma estrada de terra batida, com algumas curvas pelo meio, faz descobrir uma pequena aldeia de casas brancas e xisto, Pisão Cimeiro, freguesia de Alcaravela (Sardoal). Uma terra de primos, onde só resta uma família

 

Nos concelhos do interior não são raras as aldeias que já fecharam portas. Noutras, residentes mais saudosos recusam-se, ou não podem, abandonar as suas terras e vivem isolados no meio de portas e janelas que o tempo foi encerrando.

Pisão Cimeiro é uma dessas aldeias “perdidas”, habitada, actualmente, por uma única família durante todo o ano. Chegou a ter 20 fogos e 50 habitantes, todos primos, porque todos descendem de Avelino Inácio e Maria Luísa Pita que no início do século XX, compraram o casal à família Bias, do Sardoal.

Foram os filhos, netos e bisnetos de Avelino e Maria Luísa que construíram e deram vida a Pisão. Transformaram o casal, atravessado por uma ribeira, onde em tempos se fazia o pisoamento dos tecidos – daí o nome – numa aldeia.

Mas aos poucos foram partindo. Só Eugénia Marques Costa, de 74 anos, não quis deixar a terra para onde casou. “Eu não sou de cá, nasci no Cerro do Outeiro (concelho de Mação), o meu marido é que era de cá”. Enviuvou há 10 anos, três dos seus quatro filhos saíram, mas a mais nova, casada e mãe de uma criança pequena não quis deixar a mãe.

“Tenho casa em Abrantes, mas não deixo a minha mãe aqui sozinha”, diz Isabel Serras. “Isto é bom, mas às vezes é um bocado triste”, atalha Eugénia, pele tisnada, olhos escuros e vivos e um sorriso estampado no rosto.

Tem o grato prazer de continuar a cultivar grande parte dos alimentos que consume, de fazer o queijo com o leite das cabras e de cozer o pão. “E lavo na ribeira, tenho máquina, mas gosto de lavar na ribeira”.

Durante o dia, canta, fala com o que vê, às vezes chora… “mas enquanto eu puder fico aqui”.

A filha e o genro chegam à tarde e a casa volta a ter nova vida.

A casa a dois espaços da capela em honra de São Francisco de Assis e Santa Maria dos Anjos, construída pelos habitantes da aldeia, que é como quem diz pelos primos, por sugestão de um deles, Frei João António Alpalhão d’Alcaravela. O templo designado por Nova Porciúncula, foi feito com a mesma traça da capelinha, no vale de Assis (Itália), onde São Francisco de Assis rezava.

Aos fins-de-semana e, principalmente, nas férias, as portas das várias habitações, muitas delas reconstruídas, começam a abrir-se. “Podemos nem chegar a falar com ninguém, mas estamos sempre à espera que se acenda mais uma luz”, acrescenta Isabel que herdou da mãe os olhos vivos e expressivos: “Olha o primo tal ou tal já chegou”.

Pisão não tem cafés, nem mercearias. Tem água e luz e o ar saudável e verde que atravessa e envolve toda a aldeia. “Vivo no sossego, nunca há problemas com os vizinhos”, continua Eugénia a rir-se, enquanto compõe o chapéu de palha de aba larga.

O maior problema é a falta de alcatrão. “Somos a única aldeia do concelho do Sardoal que não tem um bocadinho de alcatrão. Para quem cá vem de vez em quando até pode ser muito bonito, mas para quem cá vive não tem graça nenhuma”, conclui Isabel Serras.

Um outro problema, bem mais pequeno, foi também a recusa em se deixarem fotografar. “Falamos, dizemos tudo, mas fotografias não”. Vale o testemunho.
 

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