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01 JUN 2007
RIO TEJO: DA FAINA AO LAZER
Por SÓNIA PACHECO

 

Em tempos, um meio de subsistência para as povoações ribeirinhas, hoje um local de lazer. O Tejo, onde pescadores e Marítimos arriscaram as suas vidas, vê agora as suas margens viradas ao turismo. Para trás ficam as grandes pescarias e o transporte de mercadorias. 

 

O PASSADO…

 

Pequenas casas, construídas em madeira e assentes sobre estacas povoavam as margens do Tejo. Para além de um ou dois quartos, existia uma sala ampla onde eram retiradas duas ou três telhas para permitir a saída dos fumos da cozinha que funcionava no mesmo espaço. Nestas construções, viradas para o rio, viviam os cagaréus, pequenas famílias de pescadores que conduziam, durante dias e noites a fio, os seus barcos na pesca ao sável, à lampreia, à saboga, à fataça… Numa altura em que os caudais eram regulares, muitas vidas eram vividas nas águas do Tejo.

“Eu sentia-me melhor à noite”, afirma João Pereira, 65 anos, que, embora tenha sido funcionário público, diz ser um “viciado em pesca”. Natural de Mouriscas, veio viver para Alvega em 1977, mas desde criança que maneja barcos nas águas do rio.

Nos estaleiros de Ortiga, Mouriscas, Barca do Pego, Rossio ao Sul do Tejo, Rio de Moinhos ou Amoreira construíam-se os barcos que eram diferentes de zona para zona. “Aqui em cima, as águas não são para brincar”, exclama João Pereira. A feitura dos barcos requer sabedoria. “É preciso saber mexer na madeira, tem de aproveitar-se as pernadas tortas das árvores”, explica Francisco Jacinto, 76 anos, natural de Rio de Moinhos, “uma terra de marítimos”.

Nos portos, ao longo do rio, eram carregadas e descarregadas mercadorias que serviam as populações ribeirinhas. Cortiça de Alvega, telha de Mouriscas, madeiras de Rio de Moinhos, cal do Pego ou produtos das fábricas de Tramagal e do Rossio ao Sul do Tejo eram transportados até à zona de Lisboa e da capital traziam o sal, o ferro e outros produtos.

“Antigamente chegou-se a carregar, ao mesmo tempo, no cais de Rio de Moinhos, 13 barcos de madeira”, lembra Francisco Jacinto, marítimo desde os 14 anos. “Ia com o meu pai, Tejo abaixo até Valada do Ribatejo, nas jangadas de madeira aqui construídas”.

Começou como moço. Aos 17 anos já era marinheiro e aos 22 chegou a arrais. Era o arrais mais novo dos cerca de 20 que existiam em Rio de Moinhos e que comandavam as mais de três dezenas de embarcações existentes na freguesia. “De Lisboa até aqui havia poucos cais que tivessem tanto movimento como este”, frisa Francisco Jacinto que aos 30 anos já era mestre das fragatas em Lisboa. Conduziu barcos até 1200 toneladas, com 90 metros de comprimento. “Se havia vento, era com a vela, se não havia, era com as varas” que manejava os barcos Tejo acima, contra a corrente.

Muitos são os episódios, marcados pelo perigo, que hoje se relatam. João Pereira lembra-se de um barqueiro que tinha uma embarcação de 45 toneladas e que se afundou durante um temporal. Ele próprio não esquece as partidas que o Tejo lhe pregou. “Aconteceu-me, mais do que uma vez, largarem a água da barragem e eu ter de cortar as cordas para soltar o barco e não ir ao fundo”. Já Francisco Jacinto afirma ter visto muitas vezes “a morte à frente dos olhos”. O seu pai tinha um barco de 13 toneladas e uma vez carregou-o com madeira para o Montijo. O tempo estava bom, mas, quando chegaram a Alverca, levantou-se um temporal. A lancha partiu a corda e perdeu-se. Conseguiram chegar ao destino com a embarcação já meia de água. Também as cheias eram uma constante. “Em 1973, saí da janela do primeiro andar para dentro de barco”, exclama Francisco Jacinto.

No entanto, continuam a recordar algumas histórias com nostalgia. “Quando as embarcações se juntavam, fazíamos a comida juntos e comíamos todos do mesmo alguidar. Fazíamos paródias... havia uma grande amizade. Hoje não se vê nada disso”, lembra Francisco Jacinto. “Tudo se passou e tenho saudades”.

 

…O PRESENTE…

 

Doutros tempos restam as histórias e a saudade. “Sempre tive uma grande paixão pelo Tejo”, sublinha Francisco Jacinto. Faça chuva ou faça sol não há dia nenhum que não vá até ao cais de Rio de Moinhos. “Às vezes juntamo-nos lá todos a conversar e a relembrar tempos que já não voltam”.

O Tejo era “uma riqueza”. Hoje está “seco” e “sujo”, os caudais são irregulares e “parece que as águas cheiram mal”. João Pereira e Francisco Jacinto partilham a mesma opinião.

Poucos mantêm os seus barcos e, em algumas zonas, nem sequer um existe. Francisco Jacinto, construiu, há quatro anos, o “Tolan”. “É o nome do barco que se afundou, em Lisboa, nos anos 80”. João Pereira, embora continue a pescar, deixou de ter barcos há cerca de 10 anos. O último chamava-se “Espadarte”. “Nesta zona, é impossível ter um barco, o Tejo está sempre a subir e a descer”. Por outro lado, “com as restrições que existem não vale a pena”. João Pereira lamenta o facto de ser obrigatório estar-se colectado como pescador em regime de actividade principal para se poder registar um barco, assim como, defende que as licenças de pesca se deviam adquirir nas juntas de freguesia.

A pesca passou a ser uma diversão, mas, segundo Francisco Jacinto, “já não é a mesma coisa”. João Pereira considera que o peixe é “mau”, “há muito lodo” e as “águas estão mortas”. Recorda que, antigamente, apanhava-se mais de 100 sabogas na pesca à linha, hoje é impossível e a fataça que se pesca “deita-se fora, parece lama”. “Antes de fazerem o açude havia lampreia, desde que começaram as obras não se apanha nada do Rossio para cima”. Também os corvos marinhos são responsáveis pela escassez de peixe.

“Hoje o Tejo não representa nada”, conclui João Pereira. Francisco Jacinto partilha da mesma ideia afirmando: “As pessoas já não ligam ao rio, quem lá não andou não aprecia”.

 

…E O FUTURO

 

Pelos concelhos de Abrantes, Constância, Chamusca e Vila Nova da Barquinha têm-se realizado avultados investimentos, no âmbito do programa Valtejo, com vista à requalificação do rio Tejo. O Parque Almourol em Constância, o Aquapolis em Abrantes, o Parque Ribeirinho em Vila Nova da Barquinha e o miradouro no Arripiado são disso exemplos.

“Foi em boa hora que a Tagus decidiu lançar o Concurso de Ideias para o Tejo”, refere Rui Ferreira, vereador da Câmara Municipal de Constância. O objectivo é dar mais vida a estes equipamentos e rentabilizá-los para que tragam mais benefícios às populações locais e mais condições às pessoas que nos visitam. “O rio é a nossa origem”.

Das 23 equipas de técnicos que apresentaram projectos, que serão expostos, no Centro Náutico de Constância, a partir do dia 22 de Junho, foram classificadas três e atribuídas algumas menções honrosas. Embora, futuramente, se procure pôr em prática grande parte do trabalho vencedor, “há ideias boas em todos os projectos, o que nos vai possibilitar enriquecer substancialmente tudo o que se tem feito”, diz o autarca. Rui Ferreira garante que se houver um instrumento financeiro que substitua o programa Valtejo, “no prazo de um ano poderá haver algumas ideias deste concurso que possam passar ao terreno”.

A construção de um passeio ribeirinho desde o Aquapolis até Vila Nova da Barquinha, a recuperação de espaços arqueológicos ao longo do rio, a criação de zonas de pesca e a intervenção nos cais são algumas das ideias que se pretendem concretizar, conciliando a tradição com a inovação. “Não é possível vivermos como há 50 anos, mas temos de preservar a nossa identidade e a nossa história local”.

Por outro lado, é também necessária a formação dos agentes locais, a promoção exterior e uma política conjunta de animação. “Só desenvolvendo este território, no seu todo, com uma gestão conjunta, conseguimos segurar os turistas, criar mais postos de trabalho e mais riqueza”, defende o vereador.

Rui Serrano, arquitecto, destaca a importância do contributo de quem conhece o Tejo e afirma que as freguesias têm de ser parceiros activos, já que são as pessoas que aí vivem que sabem as potencialidades que existem.

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