O sol queimava na tarde de Julho. As ruas de Galveias estavam desertas. Só os mais velhos aproveitavam a sombra, sentados no velho banco junto à Casa do Povo, no largo da Capela da Misericórdia.
Galveias, freguesia de Ponte de Sor, saltou para as páginas dos jornais nacionais em meados de Julho. O prédio que ardeu na avenida da Liberdade, em Lisboa, é pertença desta autarquia, a mais rica do país. “Em património, não em verbas”, não se cansa de afirmar o presidente da junta de freguesia, António Augusto Delgadinho, eleito pela CDU.
Herdeira de uma considerável fortuna, a freguesia de Galveias é detentora de cerca de 6.000ha de terra e de quatro dezenas de prédios urbanos, distribuídos por vários concelhos alentejanos e da grande Lisboa, entre eles o da capital.
“Todos meses, só para ordenados são precisos mais de 20 mil contos. Contos, note bem”, sublinha Manuel Rodrigues Nunes, secretário de junta. Em final de mês os cheques parece que crescem e o autarca recebe mais uma remessa, enquanto conversa com a equipa do ABARCA.
A junta é, sem sombra de dúvida, a maior entidade empregadora do concelho. Com mais de 100 funcionários que asseguram a exploração agrícola, pecuária e florestal e os serviços administrativos.
“É difícil gerir tudo isto”, contínua António Delgadinho e acrescenta: “Há 10 anos que sou presidente de junta e sou autarca desde o 25 de Abril. Fui vereador a tempo inteiro na Câmara de Ponte de Sor e garanto que é muito mais difícil ser presidente de junta de Galveias”.
Os prédios urbanos são uma das principais preocupações. “Temos rendas a menos de 14 euros, em Lisboa, valores que nem sequer dão para fazer a manutenção dos imóveis. A maior parte das vezes é com o dinheiro da cortiça que fazemos as reparações”.
Vender é palavra que não entra no dicionário da junta, respeitando a vontade do benemérito de Galveias, o comendador José Campos Marques. No documento pode ler-se: “Todos aqueles que venham a administrar os bens e direitos que deixa à Freguesia de Galveias jamais descurem o engrandecimento da Vila onde encaminhou os primeiros passos, dotando-a de tudo o que for necessário e útil para o conforto dos seus habitantes e para recreio e enlevo dos que a visitem. Recomenda-lhes, pois, que administrem de olhos postos no bem-estar da colectividade, servindo sempre as mais nobres e legítimas aspirações da mesma, com altruísmo e dedicação”.
José Godinho de Campos Marques, falecido em Junho de 1967, com 80 anos de idade, foi último elemento da família Marques Ratão. Manuel Marques Ratão e Maria Clementina Godinho de Campos, ambos naturais de Galveias, tiveram cinco filhos e embora todos eles tivessem chegado à idade adulta, não deixaram descendentes.
Em Galveias tudo transpira à família Marques Ratão. “Havia uma meia dúzia de grandes proprietários, mas a casa Marques Ratão era a maior” e a mais benemérita.
O infantário tem o nome de Ana de Jesus Godinho de Campos (1878-1962) e o apoio à terceira idade, gerido pelas religiosas da congressão de São José de Cluny, pertence à Fundação Maria Clementina Godinho de Campos.
A herança de José Marques Godinho foi distribuída pela junta de freguesia e pela Fundação.
“Temos muito que agradecer à família Marques Ratão”, diz mestre Vicente, 92 anos. Vicente Silva é o último sapateiro da terra. “Dantes éramos 15, eu cheguei a ter seis empregados. Resto eu e quero continuar a trabalhar até aos 100 anos. Se for preciso, monto uma oficina lá do outro lado e o coveiro leva-me os sapatos para arranjar. Depois, trá-los de volta para os donos”.
É bem disposto, contraria um seu amigo e companheiro de banco – Eduardo Maria, de 78 anos – mais desgostoso com os tempos modernos. “Agora há muito desemprego, muita malandragem, muitos assaltos. Dantes éramos mais unidos”, rezinga. Acaba por concordar que Galveias continua a ser uma terra pacata, mas contrapõe: “Dantes era diferente”.
Bem diferente. Os namorados encontravam-se na rua da Fonte. Eles esperavam pelas raparigas e acompanhavam-nas a casa. Não raras vezes, a conversa demorava mais do que o previsto e, quando elas chegavam a casa havia ralhos e alguns sopapos de permeio.
E os bailaricos. “Dantes Galveias tinha muito mais homens do que mulheres, tínhamos que estar à cata do par. Agora não sei porquê, elas têm que dançar umas com as outras. Se calhar eles também…”, conclui baixinho e com olhar malandro, mestre Vicente.
No próximo fim de semana, Galveias vai estar em festa. São os festejos populares em honra de São Lourenço, patrono da paróquia. Desporto, baile, variedades e uma garraiada fazem parte do programa, para além do hastear da bandeira, ao som da Banda da Sociedade Filarmónica Galveense e das cerimónias religiosas, missa e procissão.