Filho de pescador, nasceu-lhe os dentes nas águas do Tejo e nem teve tempo de ir à escola. Luís Lameira Branha, 71 anos, é um dos últimos pescadores de Tancos (Vila Nova da Barquinha).
No fundo do barco, o peixe prateado contorce-se, lutando contra a morte inevitável. Peixe “fresquinho ainda a saltar” que Luís Lameira Branha pescou durante o dia, subindo o rio de Tancos a Rio de Moinhos.
Num lusco-fusco de fim de tarde, o pescador atraca o barco no cais perto de sua casa. A mulher, que o acompanha nas lides piscatórias, carrega a cesta do almoço e encaminha-se para a casa, para preparar o jantar. Luís encarrega-se de arrumar os utensílios da pescaria e o próprio pescado.
“Deixe-me arrumar isto, antes que caia a noite, depois temos mais tempo para conversar”. Luís Branha já foi várias vezes entrevistado. Não lhe são estranhas estas conversas, ele é um dos poucos resistentes no concelho.
“Lembro-me de haver para cima de 300 pescadores, agora somos dois profissionais – eu e o meu cunhado. Na época da lampreia aparecem alguns rapazes, mas a viver da pesca todo o ano, só sou eu e o meu cunhado”.
O homem alto e forte, de mãos largas e calejadas, tem a calma de muitos dias a atirar e puxar redes. Experimentou outros ofícios. Trabalhou no Entroncamento, foi seareiro de tomate durante 10 anos e horticultor, mas desistiu e voltou ao rio.
De finais de Fevereiro a finais a meados de Abril, há outras iguarias a tirar do rio: sável e lampreia, mais raros que fataças e bogas e que valem bom dinheiro. Mas a lampreia nem sempre foi peixe apreciado na região. Disso se lembra Luís Branha: “Há 30 anos, ninguém as queria”, recorda: “por esse altura havia um sargento que morava na Praia do Ribatejo, chamava- se Alves parece-me a mim, e resolveu fazer um almoço de lampreia para os oficiais. Levou 17 lampreias a 17$50 cada uma, ainda não havia euros. Não sei se foi isso ou não... mas a partir daí começou a comer-se lampreia. Dantes nem nós as queríamos...”
Isso era dantes. Luís Branha já não dispensa uma refeição de lampreia: “Todos os anos, como pelo menos uma vez lampreia. Se dá para os outros também há-de dar para mim. E sou eu que a cozinho, feita por outro não a quero”.
FESTIVAIS GASTRONÓMICOS
Apesar da lampreia ser cada vez mais rara nos rios portugueses, os festivais gastronómicos crescem nos concelhos ribeirinhos. Vila Nova da Barquinha, Abrantes, Mação e mesmo Tomar apostam em divulgar os seus concelhos com os pratos tradicionais de peixe de rio, nomeadamente a lampreia.
No entanto, a construção de barragens, aliada à poluição dos cursos de água, provocam a escassez desta espécie classificada como vulnerável, no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal.
Em Mação, o festival promovido pela câmara e agendado para 2 a 11 de Março, acabou por ser cancelado quase em cima da hora. Os proprietários dos restaurantes participantes no evento - “Kabras” e “Lena” - desistirem por “não conseguirem assegurar a quantidade de lampreia suficiente para a realização do evento”. A subida da lampreia estava atrasada. Nos restaurantes, a lampreia continuou a ser servida, mas aí é possível fazer marcações e informar se há ou não o tão apetecido prato.
No início de Março era demasiado cedo para realizar um festival. A lampreia ainda não tinha subido até tão longe e nem Luís Branha em Tancos tinha pescado nenhuma. “No fim de Março e em Abril costuma haver mais”, diz.
Entretanto na Barquinha, a XIII Mês do Sável e da Lampreia prossegue até 8 de Abril. E as lampreias que se comem podem vir de longe, o importante é saborear o gosto meio doce deste prato que faz delícias ou causa repulsa e que há algumas décadas abundava no Tejo.