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01 AGO 2008
JAIME PICÃO: DE ESTRASBURGO A VALE DE MESTRE A PEDALAR
Por MARGARIDA TRINCÃO

 

Diz-se aventureiro desde pequeno, mas esta foi a maior epopeia da sua vida. Jaime de Oliveira Picão, 62 anos, veio de Saint Loup Sur Semouse (a cerca de 130 quilómetros de Estrasburgo, França) até Vale de Mestre (Constância) de bicicleta e sozinho.

 

Programou a viagem ao pormenor. Prometeu a si mesmo que nunca passaria sede, nem fome nem faria jornadas que o levassem à exaustão. “Calculei que demoraria 15 a 20 dias, demorei 19 e fiz uma média diária de 120 quilómetros”.

Não teve acidentes, nem quedas, mas pelo caminho ficam alguns incidentes que Jaime Picão foi registando diariamente em folhas numeradas e datadas. O maior problema foi mesmo em Portugal.

“Fui multado pela Brigada de Trânsito em 120 euros. Um deles era simpático, mas o outro… parecia que ainda vivia na ditadura. E eu não tive culpa nenhuma”.

Seguindo o mapa – “comprei-o há um mês” – Jaime Picão circulava pelas estradas nacionais, mas pouco depois de Castelo Branco, a nacional desemboca na A-23. Sem saber o que fazer, o ciclista aventurou-se. “Entrei na auto-estrada, não tinha outro caminho…”.

Na via rápida percorreria sete quilómetros para apanhar de novo a nacional. “Faltavam dois quilómetros para sair da auto-estrada, quando apareceu a carrinha da BT. Expliquei a situação, mostrei-lhes o mapa, disseram-me que estava errado. Multaram-me em 120 euros”.

Jaime Picão percorreu os restantes dois quilómetros da A-23, no carro da BT, com a bicicleta numa carrinha e logo que chegou à nacional, pôde calmamente seguir viagem.

“Vir sozinho foi mesmo uma aventura, mas não sei se não terá sido melhor assim”. É que a viagem estava para ser feita a dois, mas o amigo, por motivos profissionais, teve de desistir duas semanas antes.

“Já tinha tudo combinado, tinha falado com o consulado português em Estrasburgo, com o governo regional, com algumas empresas, não podia desistir”.

Comemorou os anos de um dos netos no dia 5 de Julho e no dia 7 meteu pernas ao caminho. “A família não gostou muito, mas é um problema que vou ter que resolver quando chegar”. O regresso foi mais calmo. “Vou de carro com a minha bicicleta. Esta foi uma grande aventura e não farei outra igual, umas mais pequenas talvez”.

Os primeiros dias de viagem foram duros. Apanhou muita chuva e o vento de frente. “Era terrível. Ia cantando, chorando, falando com as vacas… Às tantas já pensava que estava a delirar”.

Sabia que não devia parar em locais desertos, mas houve uma altura que “fui mesmo obrigado a fazê-lo”. Prendeu a bicicleta a um sinal de trânsito e logo depois apareceu uma carrinha. “Tentaram puxar a bicicleta, como ela estava presa pegaram no saco da tenda e levaram-no. Dormi duas noites ao relento”.

Mas teve sorte, na terceira noite no parque de campismo onde pernoitou, comprou uma tenda por quatro euros. “Ficava sempre em parques de campismo, ou quase. Houve um dia que não fiquei. Aquilo estava deserto, sem uma única tenda… Fui dormir para um jardim”.

A bicicleta trazia várias bandeiras - União Europeia, Governo Regional, França, Espanha e Portugal – adornos que os Bascos, ao que parece, não gostaram muito. “Não posso garantir, o certo é que ouvi vários tiros sem perceber de onde vinham e fui avisado por uns ciclistas que circulavam por ali para tirar as bandeiras. Tirei-as e nunca mais ouvi tiros. Não me aconteceu nada, mas fiquei um pouco assustado”. 

O percurso delineado por Jaime Picão só sofreu alterações em Portugal, já bem perto de casa. “Em vez de vir de Castelo Branco para Vale de Mestre, tinha pensado dormir em Tomar e no dia seguinte ir a Fátima. Ficava lá e depois vinha para Vale de Mestre, mas aconteceu que quando entrei em Portugal comecei a ter furos sucessivos, os pneus já estavam gastos. Tive de ir direito a casa, comprar pneus novos para depois poder ir a Fátima. No total fiz perto de 2.500 quilómetros e demorei 19 dias”.

Grande aventura e o prazer de chegar são e salvo. “Sempre fui aventureiro, mas esta foi a maior”. Nascido na Aldeia de Santa Margarida, aos 12 anos foi para Lisboa ter com um tio. Trabalhou quatro anos no comércio e entusiasmado por um outro familiar inscreveu-se na Marinha aos 16. “Sou uma pessoa pacífica, não gosto de guerras, mas combati na Guiné de 1965-67”.

Deixou a Marinha, empregou-se na CP, casou e em 1972 deu o salto para França. “Arranjei trabalho numa fábrica de têxteis, onde fiquei até à reforma”.

Como trabalhava de noite, podia correr ao fim da tarde. “Corria todos os dias, 12 a 15 quilómetros”. Bem preparado, aventurou-se na corrida Paris Dakar, em 1990, e na Maratona das Areias, em Marrocos, dois anos depois. participou noutras provas, sempre como amador, porque gosta e se considera um “desportista”. 

A epopeia Saint Loup – Vale de Mestre começou a ser preparada com a entrada na pré-reforma “Já tinha feito muita coisa, mas queria fazer uma prova em grande”. 

Regressou a casa no passado fim-de-semana de carro e bem acomodado. Voltará em Setembro para umas férias em Vale de Mestre. 

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