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01 JUL 2007
HUMBERTO LOPES: PRECISAMOS DE PESSOAS, NÃO DE IMAGENS
Por MARGARIDA TRINCÃO

 

Continua a definir-se como professor, mas a sua carreira política marcou a vida de Abrantes. Humberto Lopes foi o primeiro e único presidente social-democrata daquele município. Actualmente, é o presidente Centro de Recuperação de Abrantes (CRIA). 

 

Humberto Pires Lopes nasceu a 17 de Novembro de 1940, no Casal da Milha, freguesia de Mouriscas, Abrantes. Casado e pai de três filhos, fez a guerra colonial e quando regressou, voltou para África. Desta vez, Carmona. Também passou pela imprensa e foi director do jornal “Nova Aliança” durante sete anos. Como hóbis a música, a electrónica e a informática ocupam-lhe a maior parte do tempo livre. 

 

O Centro de Recuperação Infantil de Abrantes (CRIA) é a sua obra mais importante?

É das mais importantes e, como está no final da minha carreira activa, é natural que seja a mais marcante. Apercebi-me do CRIA, em 1977, quando era presidente da junta de freguesia de Mouriscas e alguns alunos da escola de lá passaram para a instituição. Mas só em 1996, fui convidado pelo eng. Bioucas para participar nos corpos sociais. Entrei em Janeiro de 1997, como secretário da direcção e fiquei ligado, tentando continuar a obra.

Já não está no ensino há alguns anos, mas continua a identificar-se como professor?

É o que sou. A minha licenciatura foi para ser professor, comecei a sê-lo em 1963 e fui-o ao longo de toda a vida, embora com algumas saídas. Reformei-me pelo Ministério da Educação, em 1992, por ter atingido o equivalente a 38 anos de serviço. Deixei de exercer em 2000, na agora designada Escola de Desenvolvimento Rural de Abrantes, em Mouriscas, onde estive seis anos.

Quando diz que foi exactamente para ser professor que se licenciou, foi uma opção de fundo?

Foi uma opção. Estudei graças a haver um colégio em Mouriscas e, como fui um aluno razoável, os meus pais preferiam vender as propriedades e puseram-me a estudar. Quando cheguei ao quinto ano (actual 9.º) tive que abandonar Mouriscas e colocavam-se algumas hipóteses. Medicina, engenharias, academia militar... socorri-me do curso mais curto em anos e que desse a possibilidade de trabalho imediato. Foi isso que fiz. Entrei na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra em 1959 e em 1963 comecei a dar aulas.

Já em Abrantes?

Não, num colégio no concelho de Ansião, distrito de Leiria. Dei aulas um ano e fui chamado para o serviço militar. Estive em Tavira, Porto, Figueira e na Guiné, em teatro de operações durante cerca de dois anos e meio. Vinte um meses como operacional e o restante em Bissau. Fiquei mais tempo porque a minha mulher era professora de liceu em Bissau e pedi mais uns meses para a acompanhar. Ela veio em Junho e eu em Agosto. Entrei a 11 de Setembro de 1964 e saí a 7 de Setembro de 1968.

 

EM ÁFRICA TUDO É GRANDE

 

Viveu experiências marcantes no começo da guerra na Guiné...

Sem dúvida. Felizmente a minha companhia regressou sem baixas, alguns soldados foram feridos, mas voltaram A minha companhia tinha sede em Bissau e a minha mulher resolveu ir para lá com os filhos, tínhamos dois na altura. Eu estava em Bissau, mas ia para operações todas as semanas. Sabia quando ia, não quando voltava o que causava grande ansiedade com a família, para além da ansiedade da própria vida militar e do teatro de operações. Apesar de tudo, a minha mulher gostou. Ela tem muito espírito africano. Os pais e ela própria viveram muito tempo em África e o meu terceiro filho nasceu em Angola, em 1971. Esse é outro percurso da minha vida.

Foi da Guiné para Angola?

Não, regressei. Mas nesse tempo, mesmo os licenciados, tinham dificuldade em arranjar trabalho em Portugal. Como tinha gostado de África e a minha mulher também, fomos ao Ministério da Educação e arranjámos contrato para Angola. Embarcámos em Janeiro e fomos colocados em Carmona, no Uíge. Como havia dificuldade de professores licenciados, fui imediatamente intimidado a ficar como director da escola preparatória. Lá fomos para Carmona na ilusão de pudermos ficar até ao resto da vida.

Mas não foi assim e voltaram. Quando?

Em 1975, esgotámos todos os limites. Queríamos ficar e comprámos um apartamento novo onde vivemos três meses... Nos finais de Maio de 1975, tivemos cinco dias de guerra dura entre o MPLA e a UNITA, mesmo dentro da cidade de Carmona. Não podiamos sair de casa, com tiros por todo o lado. Essa guerra foi ganha pela FNLA e pela UNITA e estabeleceu-se em Carmona uma espécie de governo de oposição ao governo de Luanda. Regressámos em Setembro de 1975.

Mais um recomeço...

É verdade. Durante três anos eu e a minha mulher demos aulas em Mouriscas e conseguimos refazer a nossa vida. Em 1978, regressámos ao ensino oficial. Concorremos os dois ao estágio, eu fui fazer para Viseu e ela para a Covilhã com os filhos. Depois fomos colocados em Abrantes e lá ficámos.

 

ELEITO POR PSD FOI VEREADOR A TEMPO INTEIRO NUMA CÂMARA PS

 

Na vinda para Abrantes encetou outro percurso da sua vida: a política e candidatou-se pelo PSD.

A primeira vez foi como independente, mas passado pouco tempo filiei-me. Em 1976, o dr. Santana Maia convidou-me para me candidatar a presidente da junta de Mouriscas, não pôde recusar e fui eleito. Em 1979, concorri à câmara, era o segundo da lista de José Graça Vieira, e fui eleito como vereador. Em 1982, era orientador de estágios, recusei fazer parte da lista à câmara e meteram-me na assembleia municipal. Fui eleito e exerci o cargo um ano, depois renunciei por incompatibilidade com a actividade de orientador de estágios. Em 1985, deu-se uma viragem nos estágios, encabecei a lista à câmara e fui eleito vereador. A câmara era presidida pelo engenheiro Bioucas (PS), mas ele convidou-me para vereador a tempo inteiro, o que deu grande celeuma. 

Imagino, mas não acabou o mandato?

Em 1987, em plena euforia Cavaco Silva, fiz parte da lista de candidatos a deputados por Santarém e fui para a Assembleia da República. As coisas iam surgido. Nunca lutei por um lugar a não ser do de professor. Estive lá um ano e aprendi muito. Cá fora tem-se a ideia que o trabalho da Assembleia é o do plenário, mas o importante faz-se nas comissões. Pertenci a várias e em todas elas se trabalhava bastante. 

Mas não há comissão que valha quando se assina o ponto e, de seguida, se abandona a assembleia.

Sim claro isso é o descrédito total. O problema é generalizar alguns casos que não fazem a história, mas são esses que se generalizam.

Não há um sentimento corporativista dos políticos que se protegem e tapam uns aos outros, permitindo a generalização das atitudes menos dignas?

Também há. Aliás, são os políticos que fazem as leis para eles próprios, logo é complicado haver capacidade de independência e haverá sempre uma tendência para o privilégio. Para mim, foi uma experiência curiosa. Estive lá cerca de um ano e voltei à câmara de Abrantes. Continuei a tempo inteiro até que rompi com o presidente porque entendi que alguns compromissos não foram cumpridos, mas somos e continuamos a ser amigos. Saí em 1989, fiz campanha pelo PSD e ganhei a câmara.

A primeira e única vez que o PSD ganhou a câmara de Abrantes. Mas não foi fácil o mandato?

Nada fácil. O PSD ganhou com três vereadores, o PS também e a CDU elegeu um, portanto a oposição estava em maioria e era extremamente difícil fazer passar, sobretudo os assuntos que envolviam decisões políticas. Tinha que haver negociações e pssei a ter mais oposição por parte do PSD, do que do PS ou da CDU.

 

NUMA DEMOCRACIA TRANSPARENTE
A COMUNICAÇÃO SOCIAL TEM QUE SER LIVRE PARA VASCULHAR TUDO

 

A política mudou, nomeadamente em Abrantes? Há um esvaziamento?

Há um desencantamento, não em relação à democracia, mas com os políticos que nos têm conduzido nesta democracia. Essa desilusão provoca a desmotivação das pessoas pela política e o seu afastamento. Hoje é difícil encontrar quem queira participar a não ser aqueles que querem fazer carreira política e para esses a vida tem sido óptima. Metem-se nas juventudes partidárias, começam a lançar-se e atingem facilmente o notariado. Se estão, ou não, preparados é outra coisa. Dantes, em Abrantes, a câmara estava muito próxima dos munícipes, era fácil falar com o presidente, era fácil o presidente deslocar-se a uma localidade. Essa relação alterou-se.

No pós-25 de Abril, a Assembleia da República estava recheada de personalidades, coisa que actualmente não se passa. A comunicação social é muitas vezes acusada de “vasculhar” a vida dos políticos e inibir que as pessoas com valor se disponibilizem para cargos políticos. Tem essa opinião?

A democracia só é possível se for transparente e a única via para uma democracia ser transparente é haver uma comunicação social livre que possa vasculhar tudo. Que possa ver e mostrar se aqueles que nos governam são realmente o que dizem ser. Uma coisa é aquilo que a pessoa diz que é e outra é aquela que ela pode ser na realidade. Compete à comunicação social mostrar essas coisas. A comunicação social tem uma responsabilidade muito grande em democracia. Tem que informar a opinião pública sobre aquilo que realmente se está a passar, quer em relação às políticas seguidas, quer em relação aos políticos que tomam as medidas. Os políticos é que tem que conduzir a sua vida para ser credíveis junto da opinião publica. Quem os descredibiliza não é a comunicação social, são eles que se descredibilizam pelas atitudes que tomam. 

Parece que o que é vergonha “é roubar e ser apanhado” e não roubar.

Exactamente, o problema não está no acto, está em pôr o acto a descoberto. Se o fizer e não for apanhado está certo, se fôr “se calhar” não está bem certo, “mas eu vou tentar livrar-me e arranjar uma desculpa”. E se a desculpa puder cair em terceiros, vai para terceiros, não é ele que a assume. Não fui educado assim, não aceito isso. Claro que os políticos não gostam que se fale das influências, ou possíveis influências que movem para manter uma imagem, que talvez não corresponda ao que são. Mas nós não precisamos de imagens, precisamos de pessoas que sejam o que devem ser.

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