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11 NOV 2010
FESTA DENTRO DA FESTA
Por RICARDO ALVES

 

Francisco e Elisa Moita são um casal goleganense que vive as tradições ribatejanas todo o ano. Francisco tem uma adega tradicional, cada vez mais raras, e Elisa é uma goleganense apaixonada pelas tradições equestres do São Martinho. O São Martinho é altura de festa, reunião e amigos

 

São da Golegã mas viveram alguns anos em Vila Nova da Barquinha. Há 17 anos que voltaram à capital do cavalo. Francisco Moita, de 62 anos, tem uma adega tradicional, a Adega de Baco, também conhecida como adega do Chico da Torrinha. A chegada da feira é sinónimo de produção de abafado tinto e branco, sempre “pelos métodos tradicionais” como diz Francisco.

Este ano foram 30.000 quilos de uva, cerca de 20.000 litros. As vindimas são em Agosto e o resto em Setembro. “Utilizo cubas de inox e cimento. As de inox são de 1000 litros”, mas antes de lá chegar o líquido “tenho muito cuidado com as uvas e o processo é feito com açúcar e aguardente. Uso uva com mais grau e a receita é 3 para 1, 75 litros de mosto e 25 de aguardente”. Durante a feira Francisco abre a adega às 11 horas da manhã mas o resto do ano abre às três. Quando os cavalos abundam pela Golegã é altura de visitas de amigos que anualmente rumam à sua adega, “há pessoas que vêm cá há 10 ou 11 anos!”. “Tenho visitas de pessoal de Viana do Castelo e de outras partes do país. De ingleses e amigos cubanos e dinamarqueses”.

Uma curiosidade sobre a Adega de Baco, que já era propriedade do pai de Elisa, esposa de Francisco, que talvez explique a fidelidade dos amigos, é o facto de quem lá vai tem sempre a porta do pátio aberta, onde um assador os espera se necessário, uma parte do edifício em que quem quiser tem o que precisa para preparar a sua refeição. “Aqui não vendemos comida. O pessoal traz comida de casa e assa no assador. Claro que desenrasco quem não trouxer mas não é o objectivo”. Os seus clientes diferem um pouco do normal durante a feira, “costuma vir cá o pessoal da construção, do campo já há poucos”. A tradição que se respira na adega de Francisco é um caso sério de raridade nos dias que correm. “Está tudo a desaparecer, a minha já é das últimas. Há muitas exigências e poucos apoios!”.O sentimento de Francisco contrasta com as gargalhadas e conversas animadas que ecoam da sua adega, “para que é que hei-de fazer investimento? Estou na recta final, só não sei o tamanho da recta”.

Sobre a feira, “a festa dos noctívagos” como lhe chama Francisco, diz que “há por lá pessoas que andam de cavalo e viradas ao contrário não cai nem um tostão”. A mesma assertividade que demonstra quando fala sobre a actual crise e os políticos, “uns não têm dinheiro e os que têm andam amedrontados… Até um cavador percebe mais daquilo!”.

Com ou sem crise vale a pena visitar a Adega de Baco, o abafado é bom com ou sem ela e este ano dizem que está do melhor. E também há a água pé, “tem pouco grau, feita em bica aberta, espreme-se e tira-se logo do depósito”. Agua pé que é legal apenas na Golegã, por decreto régio. Antigamente o exército comprava os seus cavalos na Golegã e nessa altura o vinho ainda não estava bom. Surge daí a expressão agua pé, e experimentando a que por cá se produz, percebe-se a predilecção da guarda real.

“O Francisco faz negócios e eu dou!”

Elisa, de 55 anos, professora aposentada, viveu a feira em criança e quando voltou para a Golegã a festa estava diferente. “Quando era criança a feira era da alta burguesia, vinham com trajes a rigor, todos arranjados. Os pobres olhavam de baixo para cima e todos admitiam a separação de classes”. Entretanto muito mudou e desde que voltou nota as diferenças, “hoje há cavalos para todos e charretes. Agora há a feira dos idosos e a feira dos jovens”. Quando era criança a feira era uma ocasião em que as pessoas “vinham comprar os enxovais e as roupas nas barracas” e “era altura em que se estreava roupa nova”.

Os tempos mudaram mas não mudou o gosto pela feira. Todos os anos a romaria bate à porta da casa de Elisa e Francisco. Amigos seus e dos seus dois fi lhos, Cátia e Alexandre, reúnem-se para uma refeição, boa bebida e muita diversão. Uma festa dentro da festa. “Gosto muito desta altura” diz Elisa, “é um encontro de amigos, uma espécie de natal dos amigos”. Chegam a reunir-se três dezenas de amigos, “há sempre chão para se dormir, uma vez houve quem fosse dormir em casa do meu pai!”. Na adega de Francisco também se fazem novas amizades, este ano vêm pessoas de França e “amigos nossos e amigos dos meus fi lhos”. “Há sempre bebida. Costumo dizer que o Francisco faz os negócios e eu ofereço!”.

O primeiro fim-de-semana já passou e a festa dentro da festa já começou mas ainda vem aí o prato principal, o dia de São Martinho e o fim-de-semana final da Feira. “Este ano levaram abafado e copos para a feira. Por brincadeira venderam alguns copos e deu para os gastos na diversão!”. Debaixo do enorme telheiro no pátio de sua casa juntam-se então os amigos, come-se e bebe-se do produto da casa, que tem sempre outro sabor e só depois de muitas conversas e animação é que a romaria em direcção à feira começa. “Saem daqui, levam abafado, bebem ginjinhas, um pé de dança e chegam bem cedo de manhã…”. Elisa, avó de uma menina e um menino, fica em casa nessas noites, “o meu filho e nora têm um voucher anual. Deixam-se os meus netos e vão para a diversão”.

Mas Elisa não deixa de ir até à feira, “então como é que sentia o cheiro?”. O cheiro é dos cavalos, o da sua infância que é marca da feira, “o clima e o cheiro”. Os cavalos também a enfeitiçam. “Gosto de os ver, sobretudo livres. Não gosto de os ver maltratados mas há muita gente sem formação, não tem a ver com posses”. O pior é quando a feira acaba, “é estranho ver as ruas cheias num dia e, de um momento para o outro vazias. Vivi afastada da Golegã e o cheiro das castanhas e dos cavalos é nostálgico”. Para o ano há mais. Feira, cavalos, castanhas, abafado e festa dentro da festa.

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