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11 NOV 2010
NOBREZA POPULAR
Por RICARDO ALVES

 

Há uma separação transversal a toda a sociedade, uma separação geral no que toca a sentimentos ou ideias em relação a algo ou alguém que consequentemente se divide em subsegmentos nos mais variados aspectos da vida. Na Golegã vivem-se os mesmos tempos que no resto do país. Há a crise que uns dizem ter sido obra de desregulamentação do mercado e outros do irresponsável endividamento do Estado. Há o Orçamento que uns puxam para um lado e outros para o outro, de olho nos próprios umbigos políticos enquanto o povo lavra na dúvida. Há os que se privam de comida enlatada e os que se privam de um carro desportivo ou de uma terceira casa à beira-mar. Há ainda aqueles que não se privam de nada. Pelo contrário…

Na Golegã os habitantes dividem-se entre os que não gostam da invasão por altura da feira e os que acham todo o movimento uma maisvalia para a vila. Há os que andam a cavalo pavoneando-se pelo arneiro de traje e postura galopantes e os que a cada esquina, ao sol ou à chuva, carregam amarguras nos seus carrinhos de assar castanhas, de venda de brinquedos feitos na China ou na Índia, em busca de mais uns trocos ao fim do mês, olhando soturnos os cavaleiros e cavaleiras que brilham acima das suas cabeças.

Vê-se também pessoas que observam deslumbradas os maravilhosos animais que por ali galopam, sem sequer se aperceberem de quem os monta, como se vê quem procure o chão à sua passagem como se o chão fosse o mais perto do realismo que necessitam para não desejar lá o alto e sentirem a dor de não ser.

Fundamentalmente há diferenças por toda a parte. A Feira de São Martinho faz parte da agenda anual de muitos milhares de pessoas. Este ano, como em anos anteriores mas ainda mais, as luzes de néon misturam-se com os trajes tradicionais. O som do galope dos cavalos funde-se na amálgama de sons que agita as ruas em torno do arneiro, uma cacofonia que só com os minutos se dilui dentro da cabeça. São dezenas os espaços de diversão, de todo o país. Há o dia e a noite. Há os antigos e os novos. A tradição e a modernidade. Este confronto geracional cria um ambiente por vezes esquizofrénico. Mas o dia e a noite dão tempo para todos.
Em tempo de crise a aversão entre o ‘nobre’ e o popular adensa-se. Muitos olham a feira da Golegã como uma pequena tortura concentrada, dos que a pé se movem e dos que a cavalo, imitando realeza, passeiam. Prefiro outra versão, a de que os caminhantes ocupam o largo da feira cada vez mais e que a separação entre ‘nobre’ e popular se atenua. Diz-se que há mais cidadania. Concordo em absoluto. Dizem que a feira já não é como dantes. Espero que sim! Dantes é passado. Vejo a feira, sinto-a e absorvo sons, cheiros, imagens deslumbrantes de bestas de outro mundo e deste, de uma espécie e outra. Vejo a tradição, bonita, ribatejana, nossa. Não vejo as diferenças, nem os amuos, nem as invejas. A feira é festa e na festa de cada um as regras do que se vê são de cada um. Na minha feira são todos figurantes, muitos são peças de museu ambulantes. Gosto da Feira de São Martinho.
Venham os amigos e os desconhecidos. As diferenças que se lixem, durante o ano já não as posso ver nem ouvir. Ao menos em festa despimos o traje de nobres populares, calmos e serenos como bom povo que somos.  Divertimo-nos, simplesmente. 

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