Vou pronunciar-me sobre um tema delicado. Não poderia deixar de fazê-lo, mas como é meu costume, antes de qualquer atitude ou tomada de decisão, pensei e repensei sobre o que fazer, e neste caso aconteceu o mesmo.
Trata-se de não ficar indiferente à postura tomada por um amigo que se chama Jorge Falcato Simões, paraplégico desde 1978.
Jorge, aceitaste corajosamente ser candidato a deputado como independente pelo círculo de Lisboa, pelo Bloco de Esquerda.
Como é natural nestas coisas, devido à tua condição, estás a ser alvo de severas críticas, tais como: "estão a aproveitar-se de ti" ou "tu a aproveitares-te dos outros". Estão completamente errados, fazem-no porque não te conhecem como eu conheço. Corria o ano de 2011, ano em que tive o privilégio de te conhecer através de outro ser maravilhoso e amigo incondicional da nossa causa, teu colega arquiteto Pedro Homem de Gouveia. Estava eu juntamente com mais três amigos a preparar a 1.ª Marcha pela Igualdade em Lisboa e em boa hora aceitei o convite para ir reunir-me convosco.
Penso, devido à minha deficiência, ter todas as condições para compreender a tua decisão amigo, e colocar-me na tua pele, afinal a pele do outro. Assim como eu, estás confinado a uma cadeira de rodas, eu devido a acidente de viação, tu porque uma das balas disparadas por um assassino te atingiu em 1979, quando manifestavas a tua opinião acerca daquilo com que não concordavas e que é legítimo fazer-se em democracia, já nessa altura lutavas por direitos humanos, e tens todo o direito de optar por dar a cara pelo partido que defende as tuas/nossas causas, princípios e reivindicações.
Como eu te entendo, Jorge Falcato! O partido pelo qual estás a dar a cara foi o único que me/nos apoiou quando realizamos a vigília em frente à Assembleia da República em 2012, quando realizei a greve de fome também em frente à Assembleia da República em 2013, assim como me apoiou na minha viagem de protesto em cadeira de rodas até ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social em 2014 com a presença da deputada Helena Pinto à minha chegada, e nos recebeu em audição parlamentar recentemente. Aquele mesmo partido que tomou a iniciativa de apresentar um projecto de lei pelo direito à Vida Independente. (neste particular o PCP agiu da mesma forma, facto que devo realçar).
Nós temos direitos e deveres como os demais… Somos cidadãos e cidadãs que nos orgulhamos das nossas deficiências e nos recusamos a ser encarados como "coitadinhos" ou a viver da "caridadezinha" dos nossos órgãos governamentais e das instituições. Queremos ter direito à dignidade e ao tratamento condigno por parte do Estado e da sociedade… Recusamo-nos à institucionalização compulsiva e reivindicamos o direito a ser mantidos no seio da nossa família e do nosso ambiente social, ao direito de ir e vir, educação em pleno, formação condigna. Enfim, exigimos ser tratados como gente que somos.
Jorge, como eu gostaria que a tua eleição fosse uma realidade… Entre outras situações seria caricato ver transportarem-te em cadeirinha... aos ombros... como um saco de batatas... até chegares ao teu lugar no Parlamento, isto é, se o tiveres, pois como bem sabes nem o órgão máximo da nossa democracia reúne condições para nos receber, por lá fazem-se as leis mas para os outros cumprirem.
Jorge, como não voto no círculo de Lisboa, mas sim no de Santarém, o meu voto não contará para a tua eleição, mas contará para a nossa indignação.
Sei que alguns amigos e amigas, irão criticar-me também nesta tomada de posição. Assumo esta postura, não porque tenha veia de político ou tenha aderido ao Bloco de Esquerda, mas pela causa e porque sempre valorizei os programas e pessoas, e não os partidos, e porque lhe estou grato pelo apoio prestado e porque confio que muito mais poderá fazer por nós. Os outros partidos, aqueles que têm ocupado o poder desde há muitos anos, já tiveram todas as oportunidades para mudarem o sentido das coisas e têm-se recusado a fazê-lo, embora tenham feito promessas e as não tivessem cumprido.
Jorge, como não voto no teu circulo eleitoral, o meu voto não irá contribuir para a tua eleição, mas contribuirá para o reforço e afirmação de quem nos defende.
Aos amigos e amigas que não concordam com esta tua / nossa postura, com o todo o direito que a liberdade lhes confere, não peço desculpa por tomar esta posição, antes pelo contrário, porque quero ser livre de pensar, agir e manifestar-me de acordo com as regras mais básicas de qualquer regime democrático.
Com um forte abraço deste teu Amigo
Eduardo Jorge