Todos conhecemos a história d’ “O rei vai nu”.
Era um rei muito vaidoso que gostava de impressionar os seus súbditos com as vestimentas que usava.
Assim, um belo dia, dois vigaristas foram ter com o rei e convenceram-no a mandar fazer uma vestimenta de um novo tecido que só os súbditos inteligentes veriam. Deste modo saberia quem eram os tolos do reino – os que não veriam a vestimenta.
Com a sua vaidade, o rei, de pronto, concordou em adquirir tal tecido, embora não visse nada nas mãos dos dois vigaristas, mas não queria passar por tolo. No dia combinado lá aparecem os dois vigaristas com a nova vestimenta. Manda o rei que viessem os seus criados para lhe prepararem a nova roupa e lha vestirem. Como os criados nada vissem, também não queriam passar por tolos, e vá de fazer todos os gestos próprios para a tal preparação. Logo que tudo estava pronto tratam de libertar o rei da vestimenta que trazia e de lhe vestirem a nova. Com a sua vaidade, de imediato, o rei ordenou um desfile triunfal pelas ruas da cidade, para que todos vissem a beleza dos novos trajes e também para conhecer quem seriam os tolos do reino que nada veriam. Sai o desfile do palácio real, ruas apinhadas, os seus arautos (usaram funis colados à boca para aumentar o volume do som e colaram pregões manuscritos nas paredes da cidade) tinham anunciado a todos a novidade da vestimenta real que só os inteligentes veriam. O rei vai desfilando ao som de palmas e vivas à sua pessoa. Na sua caleche dourada, puxada por quatro garbosos cavalos lusitanos, aí vai o rei a todos acenando, sorrindo, beijando as criancinhas e cumprimentado os velhinhos. Quanto à nova vestimenta ninguém via nada, mas ninguém queria passar por tolo. Ninguém! Assim o rei foi desfilando pelas ruas da capital até que numa avenida, junto a um jardim, ouve uma voz de criança a gritar: “oh mãe, o rei vai nu”!
Foi o “toque da trombeta” por que todos esperavam para desatarem na risota e o rei, cheio de vergonha por ver como tinha sido enganado, como a sua vaidade o tinha levado ao ridículo diante dos seus súbditos, mandou prender os dois vigaristas que, tanto quanto se sabe até hoje, ainda continuam atrás das grades!
Pois é!
Apesar de vivermos numa república, há por aí muitos reizinhos que, cegos pela sua vaidade, vão comprando e vestindo fatos que só os inteligentes descortinam. Como vivemos num país de inteligentes ninguém dá pelo logro, ou, pelo menos, ninguém admite nada ver. Esperamos que venha a criança inocente (da boca das crianças sai a verdade!) para gritar bem alto que os nossos reizinhos andam nus convencidos de que vestem o que de melhor existe para alimentar a sua vaidade.
Vestem licenciaturas cursadas em universidades sazonais, isto é, umas de verão outras se verão – só para inteligentes verem, vestem cursos de universidades de que só conhecem, quando conhecem, as paredes exteriores, apresentam-se como a mais fina flor do reino quando não passam de sapateiros remendões, salvo seja para os óptimos sapateiros que temos. E assim, vamos cantando e rindo, batendo palmas, atirando foguetes, alimentando a vaidade destes nossos reis republicanos, cursados em todas as novas e velhas tecnologias, sabedores de tudo e mais alguma coisa. Nós, os súbditos continuamos a ter vergonha de mostrar-lhes que nada vemos, que apenas vão nus, sem nada que os vista, sem nada que valha a pena mostrar aos outros.
E a criança inocente e verdadeira que há em cada um de nós a gritar, bem cá no fundo, “oh mãe, o rei vai nu!”.
Libertemos a criança que há em nós e gritemos bem alto: “oh mãe, os nossos reizinhos vão mesmo nus”!