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02 JUN 2017
Entrevista - Arlindo Consolado Marques, o Guardião do Tejo
Por Jornal Abarca

Arlindo Consolado Marques tem 51 anos, é natural de Ortiga, concelho de Mação, e trabalha como guarda prisional em Torres Novas. O interesse pela poluição no rio Tejo levou-o a juntar-se à ProTejo em 2014. Assume-se como uma pessoa simples mas para muitos é “O Guardião do Tejo".

Nesta entrevista faz fortes acusações e garante que não vai desistir.

Como se sente quando as pessoas lhe chamam “O Guardião do Tejo”?
Sinto-me bem porque é o reconhecimento do trabalho que eu tenho feito em prol do Tejo.

Como surgiu este interesse pela poluição no Rio Tejo?
Eu nasci à beira do rio e sempre o frequentei, pesquei lá e andei em barcos e motos de água com os meus amigos. Em 2014, reparei que começou a aparecer uma espuma na superfície da água que a deixava com uma cor escura. Comecei a filmar e a publicar fotos e vídeos no facebook.

O que é a “espuma da morte”?
Fui eu que a intitulei de espuma da morte, aquela espuma ali não é normal, se está ali é para matar. E vai matar todo o ecossistema. Não é normal, tenho quase 52 anos, e nunca vi o rio assim. Então em 2014 quando aparece aquela espuma, é a espuma da morte, não pode ser outra coisa.

Explique-nos o que foi o “caso do travessão”, que ocorreu no verão de 2015, e quais as principais consequências disso?
O travessão foi ali mesmo junto à central do Pego. Onde eles retiram a água para arrefecimento das máquinas para produzirem a electricidade. Um dia cheguei lá e apercebi-me que o rio tinha pedras que o tapavam de um lado ao outro. Então e por onde podiam passar os peixes e os barcos? Na altura era o presidente do SOS Tejo, entretanto extinto, e chamei alguns deputados. Publiquei no facebook as imagens e a partir daí… aliás, um pescador quando está à pesca só pode ter a rede a cobrir um terço do rio e eles tapam o rio de um lado ao outro? Isso deu muita polémica, o vídeo teve milhares de visualizações e conseguiu-se trazer deputados e presidentes de Câmara aqui para que vissem que alguma coisa se estava a passar no rio.
 
Usou o facebook como plataforma de denúncia do problema. Acredita que as redes sociais funcionaram melhor como agente de sensibilização popular do que os meios de comunicação social ou as próprias autoridades competentes?
Neste caso sim. Tenho disponibilidade para andar a ver o rio, e o facebook é terrível: quando alguma coisa se passa é partilhado muito rapidamente. A partir daí os vídeos saíram e chegou também à comunicação social, aos jornais e às próprias televisões.
 
Qual a importância dos deputados Duarte Marques, do PSD, e Carlos Matias, do BE, na denúncia da poluição do Rio Tejo?
São muito importantes, eles é que estão na casa das leis. Lá é que está o ministro do Ambiente e todas as pessoas com poder de decisão. Nós cidadãos não pudemos, por isso ter políticos envolvidos é muito bom, quando aparece um político a comunicação social vem logo atrás. Porque se um político está no local, alguma coisa se está a passar de grave...
 
Tem apontado de forma muito concreta o nome de uma empresa como principal causadora desta poluição. Não acredita na versão de que a poluição vem de Espanha?
Claro que não. Quando começou a aparecer a espuma, a água negra, os presidentes das câmaras de Castelo Branco e de Vila Velha de Ródão diziam que vinha de Espanha, mas tinha que provar-se que efectivamente vinha de lá. Eu tinha que fazer esse trabalho, tenho contactos entre os pescadores tanto em Ortiga como em Nisa ou em Vila Velha de Ródão, que me disseram: “Arlindo, isto que se passa vem do cais de Vila Velha [de Ródão]”. Ligaram-me no dia 14 de fevereiro de 2016 a dizer que aquilo estava um caos e que eu podia lá ir filmar. Meti-me num barco e mesmo no meio do rio parecia uma bomba atómica a sair lá do fundo. Talvez por chover torrencialmente eles acharam que seria uma boa oportunidade para lançarem os efluentes. Publiquei as provas visuais e o deputado Duarte Marques mexeu os cordelinhos, como se costuma dizer. Depois houve uma comissão sobre o rio. Veio ao terreno ver o que se passava e a partir daí toda a gente soube que era a Celtejo. A água a jusante estava completamente transparente, pelo menos a olho nu.
 
Qual é, então, a grande causa da poluição que temos vislumbrado no rio Tejo?
Tudo o que tem destruído o rio, até hoje, é culpa da Celtejo e começa em Vila Velha de Ródão. É uma grande empresa mas as ETAR da fábrica não aguentaram porque eles multiplicaram a produção e esqueceram-se dos equipamentos para acompanhar isso. Dantes eram 12 vagões a ir buscar papel por semana, agora são cerca de 30 por dia. Houve um aumento brutal de transformação de madeira em pasta e o resto dos efluentes eram lançados directamente no rio sem qualquer tipo de tratamento, nem passava pelos tanques de decantação. E o problema não está resolvido.
 
As comissões políticas, as autarquias e entidades ambientais, nomeadamente a Agência Portuguesa do Ambiente [APA], não tentaram ainda regular o problema?
Eles vieram ao terreno e foi formada uma comissão de ambiente sobre o Tejo para tentarem resolver estes problemas. Enviaram elementos do SEPNA [Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente] e andaram cerca de duas semanas a tirar análises em cada ponto. Passaram pela CAIMA, pelas queijarias do Pego, até na própria ETAR de Vila Velha [de Ródão]. Mas não resolveram nada..., porquê eu não sei. Fizeram-se algumas manifestações e a verdade é que está um bocadinho melhor, mas as descargas continuam. É raro o dia que não me ligam.
 
As descargas continuam a ser diárias sem que pareça existir evoluções. Como justifica isto?
Porque a parte económica é que conta, como nós todos sabemos. Isto para o PIB dá quase três por cento. Somos um país sem muito dinheiro e quanto mais exportações existirem, que é o caso daquela empresa que exporta cerca de 95% do que produz, mais interessa. No entanto, a pressão das pessoas, porque eu sozinho não era nada, resultou e neste momento eles estão em obras.
 
Considera que, mesmo não estando sozinho, esta é uma luta solitária?
É, e por vezes desanimadora. Muitas vezes venho do trabalho e ligam-me, vou a correr, mas isso é um acto de cidadania meu como todos nós podemos ter. Há entidades, nomeadamente o SEPNA ou a APA, que deviam ir, é o trabalho deles. É crime poluir o ambiente, nomeadamente no artigo 279 do código penal, e também está na Constituição da República, mas em Portugal as leis de ambiente não funcionam. Isto já dura há mais de dois anos e continua a prevaricar-se e a destruir todo o ecossistema. Se este problema não se resolver, qualquer dia temos de mudar o nome ao rio, deixa de ser Tejo e passa a esgoto. Culpa do ministro do Ambiente, ele disse que a impunidade contra os prevaricadores tinha acabado mas é mentira.
 
A poluição afecta várias áreas. Para si qual é a principal consequência da poluição no rio Tejo?
Em primeiro lugar o peixe que morre. Segundo, temos muitos hectares regados com a água do rio, que vai poluída, e entra directamente nas plantas, nos legumes que as pessoas consomem. Isso é uma questão de saúde pública. A jusante da barragem de Belver praticamente não há peixe, morreu. É grave para a restauração, para as praias fluviais, todos temos a perder com isto… à conta daquele grupo económico, a ALTRI. Não está certo…
 
Teme que a poluição no rio Tejo resulte nalgum desastre com dimensões que obrigue as entidades responsáveis a resolver de vez o problema?
Pode acontecer... eu falo na questão da saúde pública. É inadmissível, que o Director Geral de Saúde não venha a público dizer se podemos ou não comer o peixe. O facto de as pessoas continuarem a comer peixe do rio pode gerar doenças. Os produtos continuam a ser consumidos. Mas ninguém vem a público dizer se faz mal ou faz bem. Se se revelar que isso começa a fazer mal, quem são os responsáveis? Se colocaram chips nos peixes que estão no rio, faziam análises e descobriam se se pode comer ou não. As pessoas têm medo.
 
Nunca foram divulgados resultados de análises feitas pela APA?
Andaram a recolher análises. E isso deu uma certa polémica porque as análises estão sempre boas. Não pode ser, eu estive com a inspectora Gabriela Moniz, na APA, e confrontei-a. As fábricas têm que enviar amostras para análises regulares e ela disse-me que os resultados “estão mais ou menos”. Eu disse-lhe que não era “mais ou menos” mas sim “nos níveis limite para não actuarem”. Eles junto aos sensores misturam a água e as análises ficam adulteradas. A APA não actua porque não quer. Sabe de tudo.
 
Considera que o poder económico tem-se sobreposto ao interesse público?
Claro que tem… claro. Aquilo dá muito dinheiro… é bom para o país, mas também é bom para os accionistas. Eles até podem estar noutra parte do mundo e a empresa dá lucro, eles querem é saber do dinheiro, não querem saber do rio para nada. Para muitos o rio é em Lisboa, onde o mar se cruza e parece estar tudo bem. Mas não está.
De que forma a sua intervenção mediática nesta questão já afectou a sua vida pessoal?
Nem falo da questão da falta de descanso porque faço isto por gostar do rio. Já tive um caso em Torres Novas, na ribeira da Boa Água, que é sobejamente conhecida, de uma empresa que é a Fabrióleo. Eu estava a filmar, normalmente, e sofri as consequências graves: destruíram-me o carro e não sei o que poderia ter acontecido mais… o caso está em tribunal. Hoje os empresários não olham a meios para atingir os fins. Interessa é o lucro, lucro, lucro.
 
Como é que esta questão pode ter um fim?
As obras [na Celtejo] são a única solução, a meu ver. Neste momento estão a construir uma grande ETAR e têm mais uma caldeira de recuperação para tratamento de efluentes. Não nos podemos esquecer que as fábricas têm direito a uma quota que podem lançar ao rio, mas é de efluentes tratados. Penso que esta grande caldeira vai resolver o problema... se não resolver vai ser o fim do rio.
 
Qual é o feedback que as pessoas lhe dão?
Dão-me muita força senão já tinha desistido. Tenho milhares de seguidores no facebook e não é por mim, é pela causa. As pessoas estão sensibilizadas a nível de ambiente porque sabem que se não protegermos o ambiente hoje, o futuro será muito complicado. A água é uma riqueza que temos e estamos a destruí-la. Não pode ser...
 
Nunca pensou em abandonar esta causa?
Não, não vou abandonar as pessoas e gosto do rio. Os pescadores pedem-me ajuda a mim, não vão pedir ao ministro. Todos os dias me chove informação. Até as crianças me perguntam se podem tomar banho no rio. Mas esse não é um papel meu. A APA e as autoridades deviam resolver este problema e informar as pessoas. Têm de ir ao local, nomeadamente o SEPNA, e eu não os vejo actuar. Mas eu não desisto. E nós vamos ganhar isto!
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