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01 MAI 2017
Um Mestre-de-Vida
Por Jornal Abarca

O (Dr.) Eurico H. Consciência foi um dos grandes personagens da Abrantes do Século XX. E, no entanto, com toda a probabilidade e ao contrário do que sucedeu com outros grandes personagens da primeira metade do século, que viram reconhecidas pela cidade as suas qualidades cívicas, não será nome de rua, nem de praça, um tributo da comunidade á acção em prol do colectivo abrantino e exemplo para gerações futuras de modelos de comportamento que seria importante recordar. Esta situação é estranha? Sim e não, como procuraremos demonstrar adiante.

O autor deste texto deve fazer uma declaração de interesses: o (Dr.) Eurico H. Consciência foi um dos seus Mestre-de-Vida. Situação que será para sempre recordada –como deve ser.

A intervenção cívica tem limites? Em Portugal, parece que sim! E qual é esse limite? Parece não existirem muitas dúvidas empíricas de que esses limites são estabelecidos por aquilo que poderemos designar como a “reverência ao poder”.

Dito de outro modo: em Portugal parece que a intervenção cívica é boa, apreciada e enaltecida quando bajula o(s) podere(s); e é desqualificada, invectivada, sufocada quando demonstra e pratica a irreverência.

Quem acompanhou o percurso de vida do (Dr.) Eurico H. Consciência ao longo dos cinquenta anos em que conquistou o direito de ser “abrantino”, com intervenções de índole profissional ou marcadamente políticas ou sociais, sabe que a característica que melhor define a sua postura ao longo do tempo é precisamente a irreverência.

Em termos práticos (de vida) a irreverência tem um custo a pagar, como facilmente se pode demonstrar, seja através de exemplos positivos (de pessoas que foram discriminadas), seja negativos (de pessoas que foram favorecidas).

É notório que a partir dos anos oitenta do século XX, a intervenção cívica tende a ser excluída da vida pública e a ser tida por supérflua -já que, segundo uma ideia, que se quis normativa, a única forma de intervenção pública, compatível com a nova situação democrática vivida no país e que teria legitimidade para ser considerada relevante do ponto de vista cívico, seria a intervenção dita partidária –da acção das pessoas e dos partidos políticos a que pertencem.

Foi contra esta falsa ideia que o (Dr.) Eurico H. Consciência colocou grande parte das suas energias ao longo dos últimos anos. Na realidade, em Portugal falta uma cultura de intervenção cívica. Ou, dito de outro modo, o regime democrático, entre muitas outras coisas que não conseguiu concretizar, foi incapaz de gerar uma cultura de intervenção das pessoas fora do círculo de poder (do que está lá!...). E é precisamente para esta pecha “democrática” (a incapacidade que tiveram os pais fundadores da democracia em compreender que era necessário criar mecanismos que deixassem fluir a opinião das pessoas, fora dos círculos de poder, valorizando-a) que o (Dr.) Eurico H. Consciência vai canalizar o essencial da sua intervenção pública, ao longo dos anos.

Existem dois momentos na vida do (Dr.) Eurico H. Consciência que vão marcar o seu percurso abrantino.

O primeiro momento: a sua expulsão intempestiva de militante do Partido Socialista (é preciso ter lido a contestação que este fez a tal decisão, para se perceber que tal acto  -apesar de legítimo á face às regras que governavam o partido- era mais do que uma acção de disciplina partidária: era um momento de viragem na reconfiguração de estratégias de poder na cidade); o segundo momento: a derrota nas eleições autárquicas em 1976.

Com o que o (Dr.) Eurico H. Consciência não contava após estes dois momentos críticos no seu percurso, foi que a democracia não criasse e impedisse até, outras formas de expressão fora do quadro de normalização política instituído após 1974.

A institucionalização da democracia formal teve o condão de eliminar (ou tentar, pelo menos) quase todas as formas de opinião (voice).

O grande exemplo do (Dr.) Eurico H. Consciência para as gerações vindouras e que, naturalmente, no estado de coisas em que se encontram a moral pública e a moral cívica, não merece qualquer tipo de reconhecimento, foi o de acreditar em algo e ter feito disso um modo de estar.

Nota. No nosso anterior artigo errámos, por lapso, ao escrever o nome dessa nossa outra grande Mestre-de-Vida: a D. Maria Justina Bairrão Oleiro.

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