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01 FEV 2018
Tachos e taxas
Por Jornal Abarca

Era ainda de madrugada, a mãe entrava no quarto e acordava os dois filhos, 10 e 14 anos. Estremunhados, vestiam a camisa e as calças e calçavam as botas. Passavam a água do balde pelas mãos e pela cara, comiam uma fatia de pão de milho com queijo do azeite e saltavam para o carro onde a parelha já estava engatada. O pai, que às cinco da manhã se tinha levantado para dar a ração de favas aos muares para reforço da palha comida ao longo da noite, guiava a parelha a caminho da horta. O sol ainda não tinha nascido, mas iria começar a despontar ao longo da caminhada e chegariam ao destino já com o sol no horizonte. Casas Pretas, Casal da Figueira, Curral (hoje Vale Mexinho), fonte dos Pinheiros, descida brusca em calhau rolado e chegavam à horta. Saltar do carro, descarregar as ferramentas, enxadão, enxada, sacho, baldes, regadores e os sacos com a semente e com o adubo.

Começava a sementeira do feijão, do milho, a plantação das batatas ou das couves.

A terra já estava lavrada e o calor do verão deixava-a ressequida. Era preciso abrir os regos a enxadão, partir os torrões endurecidos, regar com o regador, deitar o adubo e a semente ou a planta, tapar o rego com a terra e continuar para o rego seguinte. A tarefa repetia-se ao longo do dia, desde a chegada, pouco depois do sol nascer, até ao sol se pôr.

Por volta do meio dia solar chegava a mãe com a cesta à cabeça. Parava a sementeira ou a plantação. Sentados no pano da azeitona, à sombra de oliveira, não havia outra, a mãe punha a toalha a meio com o tacho das couves com feijão e distribuía as colheres e uma fatia de pão a cada um. Comiam todos do mesmo tacho. Para cada adulto homem havia uma sardinha albardada, para os filhos e para as mulheres meia sardinha a cada um. Assim, quatro sardinhas e um tacho alimentavam estes trabalhadores de sol a sol. Seguia-se uma sesta de uma hora e recomeçava o trabalho. A mãe voltava para casa de cesta vazia de comida. Havia que cuidar do gado, cabras, galinhas, porcos e coelhos.

Quando chegavam aos vinte anos os jovens tinham que “tirar as sortes”, isto é, tinham que fazer um exame médico perante uma junta médica militar para esta determinar se tinham ou não capacidade para fazer o serviço militar que era obrigatório. Era dia de festa na aldeia, alugava-se uma camioneta de carreira e, também de madrugada, lá iam todos a caminho da cidade onde, no Distrito da Reserva, se apresentavam para o exame médico. Colocados nus e em fila, lá iam sendo chamados e observados. Uns ficavam “apurados”, aptos para o serviço militar, outros ficavam “esperados”, voltavam no ano seguinte a repetir o exame, e outros ficavam “livres”, não tinham aptidão para o serviço militar. Estes, para compensar o estado pelo facto de não prestarem serviço militar, tinham que pagar uma taxa, a taxa militar, que era dividida em prestações por vários anos. Quer uns quer outros voltavam à sua aldeia no dito autocarro no qual um acordeonista contratado para o efeito animava a rapaziada. E todos, qualquer que fosse “a sorte tirada”, vinham alegres e disponíveis para a festa que nesse dia, desde a chegada e pela noite fora, se fazia num dos salões disponíveis para isso na aldeia. Depois de um jantar bem regado, a sede era muita, o calor apertava, ia-se para o baile a toque de concertina. No dia seguinte, embora com os olhos piscos e a cabeça ainda à roda, lá se ia para o trabalho, fosse plantar batatas, fosse cortar o mato dos pinheiros, fosse tornear a peça lá na metalúrgica.

Tachos e taxas!

O tacho era só um, todos comiam do mesmo e as mesmas couves com feijão!
A taxa também era única e só para os mancebos que se livravam do serviço militar obrigatório!
Qualquer semelhança com a actualidade só pode ser pura coincidência!

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