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01 MAI 2018
Apenas Palavras
Por Jornal Abarca

Cada palavra tem o seu valor, o seu peso. Discorrer acerca da sua importância seria talvez pertinente para alguns e fastidioso para muitos. Começaria talvez pelo “Fiat lux”, pela sua explicação com recurso ao Génesis (criação), e pelo facto de ser a palavra condição sine qua non (imprescindível) ao início, sem ela o facta est não existiria, ou seja, o nada persistiria e o tudo não.

Ocorre-me, contudo, discorrer e “vagabundear” pela beleza das palavras. Não na sua generalidade, como magnificamente o fizeram Eugénio de Andrade - “As Palavras são como um cristal”; O’Neill – “Há palavras que nos beijam/Como se tivessem boca.”; Sophia – “a palavra é sagrada”; Drummond – a palavra “É a senha da vida/ a senha do mundo.”; Ramos Rosa – “ O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível.”; Pessoa – “Palavras são ideias.” - e tantos outros…mas escolher entre rubis os mais cintilantes. Atente-se que o são apenas na minha ótica que felizmente não é científica, nem se baseia em dados concretos e objetivos (graças a Deus há a subjetividade e a emotividade!), mas antes na preferência pura ou pela sonoridade, ou pela grafia, ou porque sim, que é a forma mais tautológica de explicar o gosto pessoal…

Não se trata de fazer uma pequena apologia de palavras, nem tão-pouco discorrer acerca desta ou daquela área elaborando uma recolha mais ou menos exaustiva que apenas procrastinaria o que de facto pretendo executar. As palavras espelham as nossas vivências e perspetivas. Por exemplo, nas cores, as línguas dos povos esquimós possuem um número vastíssimo de palavras para designar o branco, pois a realidade envolvente assim o determina.

Claro que a minha língua é a que reclamo como a mais bela, já Vénus amava o povo português também por ela, pela sua beleza e proximidade ao latim, escreveu o Poeta (Camões). Não obstante, não chego ao extremo de Pessoa “A minha pátria é a língua portuguesa.”, pois, para mim, a pátria, a casa, é onde os que amo estiverem.

Então, como boa anfitriã, inicio pelo que não é da casa, isto é, no parco conhecimento que me resta de outras línguas que não a materna, aprecio especialmente algumas.

Considero, então, a nossa língua a mais bonita, apesar de, contudo, validar a língua francesa como a língua do amor e da elegância. Nela, uma palavra que muito aprecio é politesse. Habitualmente traduzida por cortesia, boa educação, mas encerra nela algo de mais poli (polido), de mais refinado. Elejo ainda papillon que, pela sua leveza, expressa na exata medida a imponderabilidade da borboleta.

Das línguas estrangeiras com as quais tive algum contacto a que mais adoro pelas suas sonoridades é a italiana. Mesmo um insulto em italiano soa bem. Podia dar-lhe alguns exemplos, mas seria atrevimento e desviar-me-ia do rumo traçado. Desafio o leitor a recordar-se ou a pesquisar alguns insultos e a repeti-los em voz alta para os ouvir, vai confirmar seguramente esta ideia, não obstante, à cautela, recomendo que o faça quando se encontrar sozinho. Ao nível da fonética aproxima-se pois do latim, com as suas vogais bem abertas. Costumo recomendar que, para ler latim, se pronunciem as vogais abertas e, na esmagadora maioria das vezes, sai a pronúncia correta.

Desconheço o mecanismo que se processa, mas quando vejo uma ovelha, ocorre-me de imediato a palavra pecula. Se penso nisso, só posso considerar que se deve à sonoridade e simplicidade condicente com o pacífico animal, mas acho engraçado. Talvez na minha memória inata geneticamente transmitida ainda existam resquícios do latim que também justifiquem este apego.

Hoje em dia a uniformização e a globalização, juntamente com a necessidade cada vez maior de entendimento, fizeram da língua inglesa quase a língua universal, como o esperanto não concretizou. Nesta prefiro, de longe, uma expressão que deve ser a mundialmente mais repetida – I love you – e que dispensa apresentações e defesa, e elejo a palavra strawberry (morango) que me produz o efeito pavloviano de água na boca …e música na cabeça – claro, a bela canção dos 5 rapazes de Liverpool.

Ora, se a língua espelha a História de um povo, as suas vivências e perspetivas e até o meio em que vive, como supra mencionado, claro que o nosso exemplo óbvio é a palavra saudade que reporta a sentimento nobre, mas também nela comporta a carência, a miséria, as partidas e consequentes despedidas, e vem pelo menos da Idade Média pela partida para o fossado (serviço militar e designava as próprias operações militares geralmente ofensivas em território sarraceno, aquando da guerra contra os infiéis) e se intensificou nos Descobrimentos pela partida dos marinheiros e seguida ausência que levaria a momentos literários de beleza única como as despedidas em Belém ou “Mar Português” (in Os Lusíadas ou Mensagem, respetivamente). De tudo isto advém a dificuldade de tradução desta palavra que, quando é realizada, fica aquém da mensagem transmitida, por exemplo em francês tu me manques (tu fazes-me falta), pode ser a tradução próxima, mas não é a mesma coisa…

Algumas das palavras que mais aprecio, que muito amo, são as referidas. Contudo, tal como um arco-íris só é visível de uma determinada perspetiva, neste caso, saliento, a minha preferência é puramente baseada na minha sensibilidade de falante portuguesa e com abrangência residual e pontual noutras línguas, logo limitada e espartilhada, mas, como ainda somos livres de pensar e aqui escrever…Nesta defesa, como dizem em inglês,I rest my case.

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