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01 AGO 2018
Não havia internet
Por Jornal Abarca

Muito se espanta a minha neta que quando eu era criança não havia internet. E faziam o quê, avó?!!!!!

Pois... não havia internet, plásticos, detergentes, comidas e bebidas empacotadas... nem lixo! Forrava-se um caixotinho de madeira com papel de jornal e punha-se à porta, à noite, para ser recolhido pelos “almeidas”que passavam de madrugada e limpavam a cidade. As estações do ano eram pontuais e rigorosas. Chovia e estiava como anunciava o Borda d’Água.

Meu vizinho, nos intervalos das crises asmáticas de gaseado da guerra 14-18, ouvia na Emissora Nacional que “Rádio Moscovo não fala verdade” anunciado por João da Câmara e desenfastiava a mansidão dos seus dias, em pijama de listas e gorro de chochet, para se vestir a preceito e ir denunciar o meu avô à PIDE; minha avó ouvia o Fernando Peça na BBC, enquanto tricotava as nossas peúgas no cadeirão de vime.

Na tasca do António Duarte o mata-moscas era uma fita coberta de cola dependurada do tecto, e ainda hoje me arripia.

Comprávamos as linhas e os botões na capelista, o Júlio sapateiro substituia as solas gastas, o bacalhau demolhava num alguidar à porta da merceeria do Amaro... e a doença que afligia as pessoas era a tuberculose e a miséria. A Leontina acalmava a tosse do filho com chupetas especiais – um caracol esmagado dentro dum pedaço de pano.

Não havia internet...

E não havia o mundo ao contrário. Não havia o fogo, o fogo incontrolável que devora as árvores, os gregos, os portugueses, os suecos, as almas do outro mundo; a estupidez mesquinha que leva ao consumo absurdo e ao desperdício abjecto em completo desprezo pelos outros, pelo ambiente dos outros, pela vida.

Não sei se os homens, na cegueira de apenas contemplarem o seu umbigo, acabaram com o mundo e estamos à beira do fim. Não sei.

Vem do passado, com Érico Veríssimo, a fala de Liroca, de tocaia no campanário da igreja, resistindo a alvejar Licurgo: eta, mundo velho sem porteira! Por amor.

Para além da falta de coragem dos homens, falta o amor.

Profecias do Bandarra

Lá para as partes do Norte
Vejo como por peneira
Levantar uma poeira
Que nos ameaça a morte.

Vosso grande Capitão,
Ó povo errado, e perverso,
Já caminha com o terço,
E vós dormindo no chão?

Na era que eu nomear
Terá fim a heresia;
Verás certa a Profecia,
Se bem souberes contar.

Poe[m] três tesouras abertas,
No fim um linhol direito,
Depois conta seis vezes cinco,
E mais um vai satisfeito.

Muito rijo bate o vento
Na parede da igreja;
Alguém caido a deseja,
No levantar vai o tento.

Rugia a porta do sino,
O sino não badalava,
A grimpa se revirava,
E o sino andava a pino.

Meto a sovela nas viras,
E vejo pelo buraco
Os ossos de Pedro Jaco
No penedo das mentiras.

Que belamente soam
As Profecias direitas!
Depois que forem perfeitas
Verão que a terra povoam.

Quando o sonho é verdadeiro
Dá se uma lei muito clara:
Sonho agora, que uma vara
Vai dando luz a um outeiro.

O outeiro é Portugal,
E a vara Castelhana;
Da minha pobre choupana.
Vejo esta vara Real.

Dará fruto em tudo santo,
Ninguém ousará a negá-lo,
O choro será regalo
E será gostoso o pranto.

Bem cuido, que já vem perto
O fim destas Profecias;
Passarão trezentos dias
Depois de eu ser descoberto.

Em dous sítios me achareis
Por desdita, ou por ventura,
Os ossos na sepultura,
E a alma nestes papéis.

Não há pedra sobre pedra,
Quando eu aqui for achado,
E as letrinhas do Letrado
Há trezentos anos queda

Gonçalo Annes, o Bandarra(Trancoso, 1500 — 1556)

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