É a alma do Tejo Velho que regressa em certas madrugadas para recordar que foi por ali que ele esteve vivo, até ficar entulhado por quem o rejeitou. Talvez aquela névoa seja apenas o fantasma de um ser a reivindicar que uma natureza usurpada há de sempre deixar um rasto de si aos vindoiros.

 

É extensa, de uma brancura difusa, mas muito bem definida e, para quem a observa a alguma distância, é decerto misteriosa. A longa manga de névoa cerrada, observável de forma privilegiada da alta de Vila Nova da Barquinha ou da Carregueira, surgiu quase sempre nas manhãs mais frias deste mês de janeiro, como, aliás, em todos os invernos sempre que as manhãs vão muito arrefecidas e a humidade é carregada. (...) 

 

Que mistérios se escondem nesta névoa que tem regressado todas estas madrugadas, e depois vai desmaiando à medida que as manhãs vão ficando mais soalheiras? (...)

 

Era um troço de leito muito diferente do atual. Na origem da enorme alteração está o homem, ou melhor, pelo menos 20 mil seres humanos em ação ciclópica e sem engenharias evoluídas, tornando num desígnio nacional a visão “inspirada” e interessada de um príncipe, com influência na corte e poder de persuasão sobre o rei. (...)

 

Qual é então o enigma da extensa manga de dez quilómetros de nevoaça que em certas manhãs se estende sem explicação óbvia ao longo do trajeto que foi o do Tejo Velho, do curso primevo de que foi usurpado por razões egoístas de um príncipe insatisfeito? A meteorologia há de ter, decerto, uma palavra a dizer. Mas a História também poderia falar. E se falasse, e fosse ainda um pouco romântica e até sebastiânica, poderia dizer que o manto é a aparição de um espírito antigo. É a alma do Tejo Velho que regressa em certas madrugadas para recordar que foi por ali que ele esteve vivo, até ficar entulhado por quem o rejeitou.  (...)

 

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