Home »
23 JUL 2019
E tudo o fogo levou: Afinal, de quem é a culpa?
Por Jornal Abarca

Em 2017 o país beijou o inferno: as florestas em chamas, as pessoas em lágrimas, casas em ruína. Mortos e vidas destruídas. Lágrimas, muitas lágrimas, e a certeza de que o inferno não se poderia repetir. Mas eis que, apenas dois anos volvidos, Mação e Vila de Rei beijaram novamente o inferno. No total arderam praticamente 10 mil hectares nos dois concelhos.

Os autarcas culpam a falta de meios enquanto o Governo diz que a responsabilidade em primeiro lugar é dos autarcas. Neste jogo de ping-pong, fica a pergunta: afinal, de quem é a culpa?

Quando em 2003 Mação viu grande parte do seu território arder, os responsáveis autárquicos trabalharam para montar um sistema de protecção das populações de forma a evitar que nova tragédia acontecesse. Durante quatorze anos tudo parecia perfeito até que, em 2017, um violento incêndio dizimou o concelho fazendo com que 80% do território florestal ardesse.

Em entrevista ao abarca na edição de Julho deste ano (disponível nas bancas e que pode ler aqui), Vasco Estrela, presidente da Câmara Municipal de Mação, garantia que “aquilo que podíamos fazer, foi feito: alguns milhares de estradões florestais, charcas, circulares de protecção à volta das aldeias, disponibilização de seis dezenas de motobombas para as populações, capacitação e sensibilização das pessoas, pagando do nosso bolso equipas de primeira intervenção”.

Ainda assim, o concelho ardeu mas o autarca garante que “Mação está preparada para que possa aqui ser implementado um projecto piloto, muito fruto do trabalho desenvolvido pelo vice-presidente António Louro, em termos de zonas de intervenção florestal, humanização do território, diversidade de paisagem”. Por isso, não tem dúvidas de que a responsabilidade é do Governo porque a Câmara, sozinha, não tem condições para concretizar estes projectos: “Precisamos da ajuda do Governo para experimentar aqui algo diferente. O mérito do que andamos a dizer há anos é precisamente o que o Primeiro-Ministro agora diz: “os incêndios não se combatem sem a reforma estrutural da floresta”. Esta é a conversa de Mação há doze anos. Temos de congratular-nos por reconhecerem isso”.

Ora, esta conversa aconteceu em Junho, antes de os mais recentes incêndios dizimarem o que sobrava de Mação. Antes ainda de, no dia 08 de Julho, o Tribunal de Leiria ter condenado o Estado Português por discriminação a Mação na atribuição de fundos para os concelhos que arderam em 2017. Apesar de ter sido o concelho com maior área ardida em 2017, beneficiou apenas de 60% dos apoios, ao contrário de outros municípios que tiveram menor área ardida mas foram apoiados a 100%.
 

Troca de Galhardetes e o Plano de Emergência que estava na gaveta
Perante o que aconteceu nos últimos dias Vasco Estrela queixou-se de existirem falta de meios: “Não podemos conceber que se diga que os meios eram os necessários, os suficientes, quando tivemos populações completamente desprotegidas”. Paulo César Luís, vice-presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei, município também bastante afectado pelos incêndios da última semana, mostrava-se “farto” de enfrentar o mesmo problema ano após ano acusando o “Estado de falhar às populações”.

O primeiro-ministro António Costa respondeu lembrando que os autarcas “são os primeiros responsáveis pela proteção civil em cada concelho” e, por isso, serão estes os responsáveis por “prevenir, através da boa gestão do seu território, os riscos de incêndio”.

Em entrevista à TVI, Vasco Estrela concordou com as palavras do primeiro-ministro puxando dos galões: “O concelho de Mação foi pioneiro em muitas das medidas agora implementadas pelo Governo a nível nacional” reforçando a crítica feita por Paulo César Luís: “O Estado falhou”.

Talvez sentindo alguma imprudência nas palavras desafiadoras de António Costa, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, veio mais tarde elogiar o “cumprimento rigoroso das orientações estratégicas definidas no modelo de combate aos incêndios rurais” em Mação e Vila de Rei.

Contudo, ontem à noite Eduardo Cabrita mudou o sentido das suas declarações acusando Vasco Estrela de "não promover a ativação do Plano Municipal de Emergência, não dar qualquer cooperação ao esforço de Proteção Civil e ser verdadeiramente um comentador televisivo”.

O autarca respondeu “Acusa-me de não activar o Plano Municipal de Emergência de Proteção Civil que o Governo aprovou hoje de manhã”. Aliás, ao final do dia Vasco Estrela escreveu na sua página de Facebook que foi informado às 12.40h desta terça-feira da aprovação do Plano Municipal de Emergência “que desde Março estava para aprovação”, lembra, revelando ainda ter sido "colocado à margem de todas e quaisquer decisões operacionais”. O edil lançou ainda um desafio ao ministro: “Devia justificar perante os maçaenses e perante os portugueses como é que possível ter aldeias inteiras sem um único bombeiro lá para as defender. Isso sim, é responsabilidade do ministro", sublinhou.

O autarca de Mação, na mesma entrevista ao abarca, antecipava o cenário agora concretizado: “Não estamos livres de acontecer outra tragédia e o que nos resta desaparecer”. Aliás, 18 de Junho a autarquia maçaense tinha deixado um recado ao governo: "Depois de se dizer tanta coisa e de morrer tanta gente, está tudo igual!”, referiu na altura o vice-presidente António Louro.
 

A Questão que Fica
Em Agosto de 2017, numa entrevista ao abarca, que pode ler aqui, Adelino Lourenço Gomes, Comandante dos Bombeiros de Constância e vice-presidente da Liga dos Bombeiros, tocou nos pontos essenciais que criam a discussão acerca dos incêndios em Portugal, que se repetem anos após ano: ordenamento do território, justiça, lobbies e incapacidade política.

Adelino Gomes acusava o poder político de “desleixo” no ordenamento do território lembrando que seria “bom que se aprendesse com os erros”. Para o bombeiro “o ordenamento da floresta” não existe em Portugal.

Na entrevista, realizada após os fogos de 2017 mas que se mantém actual, Adelino Gomes acusava os políticos de “falta de sensibilidade em coisas fundamentais” e deixava o alerta à justiça: “Um sujeito que confessa que pôs um fogo e depois o Juiz o solta porque é o coitadinho que a mulher o deixou ou porque estava alcoolizado… isso desmotiva as autoridades”.

Dois anos depois, quase 10 mil hectares ardidos, a perspectiva de que nada mudou, a incapacidade de dominar o monstro e o medo de se voltar a beijar o inferno, a questão que sobra para que se possa resolver de vez o problema é: afinal, de quem é a culpa?

(0) Comentários
Escrever um Comentário
Nome (*)

Email (*) (não será divulgado)

Website

Comentário

Verificação
Autorizo que este comentário seja publicado



Comentários

PUB
crónicas remando
PUB
CONSULTAS ONLINE
Interessa-se pela política local?
Sim
Não
© 2011 Jornal Abarca , todos os direitos reservados | Mapa do site | Quem Somos | Estatuto Editorial | Editora | Ficha Técnica | Desenvolvimento e Design