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13 ABR 2020
Enf. Ângela Sousa: "Às minhas filhas digo que está tudo bem. Sozinha choro..."
Por Jornal Abarca
Ângela fardada num dia de trabalho e, agora, com o EPI
Ângela fardada num dia de trabalho e, agora, com o EPI

Enfermeira há 11 anos no Hospital de Santarém, Ângela admite que nunca viveu uma situação tão desgastante. Está há duas semanas sem ver as filhas e não sabe quando as voltará a abraçar. É um dos rostos heróicos que dão o máximo para que fique tudo bem.

Como é feito o tratamento de doentes?
Desde o dia 20 de Março que temos dois serviços de urgência: um apenas direccionado a pessoas com sintomatologia respiratória, à qual chamamos Serviço de Urgência Covid. E a Urgência Geral ficou todas as restantes patologias.

Como é que tratam um doente suspeito de Covid?
O doente é triado, encaminhado para uma sala de isolamento onde permanece até ser visto por um médico. Se achar que o doente tem critérios Covid pede a realização do teste. Somos nós, enfermeiras, que realizamos o teste e segue para análise em Lisboa. Já fizemos centenas de testes e alguns deram positivo.

Há medo na realização dos testes?
Isto é uma novidade para todos, nunca trabalhei com algo que tivesse tanto medo. Ao início era um bicho de sete cabeças porque não sabíamos se a técnica era igual a uma análise comum, mas agora tirando a parte do medo de contágio já é uma coisa que entrou na nossa rotina.

Há muitas pessoas a dirigirem-se desnecessariamente à Urgência?
Ao início notei as pessoas mais conscientes mas de há uns dias para cá mudei de opinião. Parece que se está a banalizar um bocadinho e as pessoas vão ao hospital ao mínimo sintoma à procura da realização do teste. Não há essa necessidade, de todo. Só em caso de agravamento dos sintomas é que se devem dirigir ao hospital.

Como conjuga o medo de ser infectada com a necessidade de fazer o trabalho?
Tenho de dizer que somos muito unidos como equipa, falamos muito entre nós dos receios e das ansiedades e isso ajuda muita. A parte mais stressante e desgastante é o facto de a DGS diariamente nos enviar normas novas e todos os dias temos de nos actualizar.

Esta tem sido uma experiência desgastante?
Sim, é a experiência mais desgastante em onze anos de enfermeira. Saio do serviço muito cansada psicologicamente, em termos fisícos já estava habituada ao cansaço do serviço de urgência normal.

A nível familiar, como é a sua vida neste momento?
Apenas me desloco para o trabalho e casa, fui hoje às compras pela primeira vez em duas semanas. O meu marido, Filipe, é bombeiro municipal e temos duas filhas, a Petra e a Camila, com 7 e 4 anos. Elas foram para casa dos meus sogros, perto de Coruche. Foi uma decisão difícil, falámos com elas, sem explicar tudo. Elas na escola já tinham falado do “bichinho” e dissemos que o pai e mãe iam ter de trabalhar muito e elas iam passar uns dias aos avós. Entretanto já passaram duas semanas…

Elas entenderam isso?
Foi tudo decidido muito rápido. Quando foi anunciado o Estado de Emergência fizemos a mala a correr, parecia que íamos fugir. Dissemos-lhes que elas iam passar uns dias, mas elas nunca lá estiveram tanto tempo sem ver os pais. Com isto descobri as videochamadas que é algo fantástico nesta fase, e elas já perguntam porque é que nós não vamos vê-las, quando é que as vamos buscar…

Como é que se gerem estas emoções?
É difícil… à frente delas digo sempre que está tudo bem e para brincarem com os avós. Mas quando estou sozinha choro… [silêncio] tenho imensa vontade de as abraçar, de as sentir junto a mim, são minhas. Nunca sentíamos saudades uns dos outros e até isto é novo, a saudade. Ontem elas fizeram-me chegar uns desenhos que fizeram e a mais velha escreveu “Estou feliz”… isso mexe muito com o coração. Mas elas ainda não perceberam bem, nem nós queremos que elas percebam, quando é que isto tem fim.

Porque não sabem quando as voltam a ver…
Exacto… quando é que isto vai acabar? Não sabemos! Tenho colegas de serviço que estão na mesma situação e foram ver os filhos ao longe sem poder dar um abraço, sem tocar… não consigo imaginar essa situação porque elas não vão perceber e a mim cortava-me o coração. Vamos aguentar o máximo tempo possível sem as ir buscar.

Que conselhos dá às pessoas para ajudarem a combater o vírus?
O melhor conselho que posso dar é: fiquem em casa por favor. A regra número um é promover o isolamento social. Preocupa-me ter de sair todos os dias de minha casa, do meu conforto, não estar com as pessoas que amo, fazer de tudo para o melhor dos outros e depois vejo pessoas que parece que isto lhes está a passar ao lado.

É inglório ver essas situações…
É… trabalhei 12 horas no sábado, 12 horas no domingo e quando chego a casa exausta, tento relaxar e vejo nas notícias as estradas paradas em Lisboa porque as pessoas iam passear. Sinto uma injustiça… porque é que as minhas filhas não podem estar comigo e os filhos dos outros podem? Por isso peço que fiquem em casa.

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