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08 FEV 2021
OPINIÃO | "O Day After", por Gabriel Feitor
Por Jornal Abarca

É muito pior que uma ressaca, até porque, a correr bem, no dia anterior a ela houve alguma diversão. Neste caso, nem por isso. Foi um banho de realidade, nua e crua. E está a acontecer sob o olhar impávido e sereno de quem tem responsabilidades. Num contexto tão particular como aquele em que vivemos, a abstenção ajudou. De que forma? Não sabemos. Mas o avanço e radicação do novo velho fascismo em Portugal, até há bem pouco tempo considerado um oásis na Europa sem essa praga, o que, convenhamos, tão-só se deve ao nosso delay crónico em tudo o que é novidade, não choveu do nada. Tem explicações, tem responsáveis; e, parte deles, ontem, provaram sofrer de autismo.

O primeiro responsável é a direcção nacional do PS, que ditou a desistência do partido nestas eleições a coberto de uma falácia chamada “liberdade de voto”, escusando-se a participar ou apoiar uma solução à esquerda. Escrevi em Maio passado que António Costa caía num pressuposto errado ao julgar que era conveniente continuar a relação de serviço mútuo com Marcelo. Apenas este, como provam os resultados eleitorais, tirou partido desta relação, já que, não chegando ao seu objectivo de alcançar os resultados de Mário Soares em 1991, foi reeleito com boa parte dos votos do aparelho socialista. O busílis da questão reside tão-somente na mudança de atitude que irá ocorrer neste segundo mandato: Marcelo vai revelar o verdadeiro Marcelo porque já não precisa de ser reeleito. Essa atitude acarretará, obviamente, o regresso da direita – seja em que fórmula for – e o desapear de Costa e do PS do poder, tudo pela mão de Marcelo, que veremos se será a barreira de contenção dos perigos à sua direita ou o co-responsável pelo seu avanço.

O clímax de todo este autismo foram as patéticas e vergonhosas, para qualquer socialista/social-democrata que se preze, declarações de Carlos César, um autêntico chorrilho de disparates. Pode muito bem agradecer a Ana Gomes o serviço que a sua candidatura prestou ao país e ao campo da esquerda democrática, de dever patriótico.

O PPD também não pode cantar de galo, ainda para mais com a errática liderança de Rui Rio. A normalização da extrema-direita, a obsessão pelo extremo-centro, a julgar também pelas declarações de ontem, tal como Carlos César, diga-se, e a oposição murcha, consubstanciados na inexistência de uma alternativa de direita democrática, liberal, social e popular – diferente de populista –, são, sem dúvida, os grandes aliados da transferência do seu eleitorado para o partido populista.

Estes resultados no interior do país não são surpreendentes. É a vingança dos “lugares que não contam”, como bem diz João Ferrão. E há um trabalho a fazer nesse campo. No Alentejo, podem explicá-los a combinação de diferentes factores, como a replicação do fenómeno francês, a transferência dos votos bloquistas, mas, sobretudo, as complexas relações locais com as comunidades ciganas onde elas são mais expressivas. Não é por acaso que o melhor resultado percentual do candidato populista no distrito de Santarém se deu no Entroncamento, concelho onde a problemática está bem patente.

As pessoas estão cansadas dos erros sistémicos dos democratas, da corrupção à ausência de políticas de justiça social. Bastou aparecer um oportunista hábil no ofício do ressentimento porque o caldo já cá estava. Não vai ser com proclamações e slogans, por muito honestos que sejam, que se vai combater a doença. Os resultados à esquerda do PS provam-no. É no plano da política concreta. E não vale a pena andar sempre com o povo na boca e depois culpá-lo sem entender o que está na base da sua motivação. É só um erro grosseiro que, mais tarde, pagaremos muito caro.

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