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03 MAR 2021
ENTREVISTA | João Júlio Cerqueira: "As vacinas provam ser extremamente eficazes"
Por Jornal Abarca
Foto: Ricardo Meireles
Foto: Ricardo Meireles

A vacinação em Portugal continua a decorrer mas as dúvidas sobre o processo parecem ainda manter-se como uma nuvem negra. João Júlio Cerqueira, médico criador do projecto SCIMED e presidente da Associação pelos Cuidados de Saúde Baseados na Evidência, ajuda a esclarecer muitas das interrogações que assolam a população.

 

O decréscimo acentuado de infectados e internados deve-se exclusivamente ao confinamento ou poderemos já ver algum efeito da campanha de vacinação?
É possível que seja uma conjugação de factores, entre o aumento da vacinação, o facto de não termos tido mais nenhum evento excepcional como o Natal e Passagem de ano, associado ao aumento da vacinação.

Os números do Boletim Diário da DGS estão neste momento ao nível de Outubro, quando não havia medidas de confinamento. Faz sentido prolongar o confinamento até meados/fim de Março como se equaciona?
Na minha opinião agora estão a pecar por excesso. Faria sentido começar já a abrir parte da economia e as escolas pelo menos até aos 12 anos. É difícil voltarmos a assistir a outro surto como o que assistimos recentemente.

Há muitas dúvidas em relação à vacina da AstraZeneca para maiores de 65 anos. A 8 de Fevereiro a DGS desaconselhou o uso destas vacinas para maiores de 65 anos. Contudo, a 18 de Fevereiro, apenas 10 dias depois, a Agência Europeia do Medicamento deu o seu aval para o uso desta vacina nesta faixa etária. Perante este cenário de incerteza, faz sentido “arriscar” em administrar esta vacina a maiores de 65 anos?
A vacina da AstraZeneca é segura, mesmo para pessoas com mais de 65 anos. Aliás, um estudo recente veio demonstrar que até poderá ser mais eficaz que a da Pfizer para a redução do risco de internamento por COVID-19. Não vejo qualquer razão para esse tipo de restrição.

Já existem conclusões sobre o período de efeito da vacina? É uma possibilidade forte a toma tornar-se anual?
Ainda é cedo, mas pessoalmente será difícil fugirmos à necessidade de reforço vacinal. A não ser que se assista a uma redução da gravidade da doença, mas isso é ainda muito incerto.

A Rússia criou alguma celeuma ao administrar a vacina Sputnik V antes das conclusões da 3.ª fase de testes. Esses resultados, entretanto, saíram e revelaram uma eficácia acima dos 90%. Não seria conveniente apostar nesta vacina também?
Continuo com algumas reticências relativamente a essa vacina, exatamente pela forma como todo o processo foi conduzido. De facto, têm saído alguns estudos que nos dão confiança que a vacina funciona e não tem grandes efeitos adversos. A sua aprovação dependerá das entidades reguladoras. Elas é que terão de avaliar se os dados existentes são suficientes para permitir a sua comercialização na Europa.

Israel anunciou a produção de um spray nasal com resultados muito prometedores na cura de casos moderados a graves de Covid-19. Esta solução pode ser, realisticamente, uma alternativa ou complemento à vacinação?
Tendo a desconfiar de resultados demasiado bons. O grupo de estudo utilizado foi pequeno e ainda não há grandes dados para lá desse estudo para permitir tirar qualquer tipo de conclusão. Os fundamentais relativamente ao funcionamento do spray fazem sentido, mas teremos que esperar por mais dados.

O país que mais vacinou a sua população, em termos percentuais, é Israel. Um estudo mostra que após três semanas da toma da segunda dose da vacina por maiores de 65 anos, o número de internamentos nesta faixa etária caiu drasticamente. Este é um sinal forte de esperança e que deveria servir para acelerar a campanha de vacinação?
Sim…é o milagre da ciência a funcionar. As vacinas estão a demonstrar que, de facto, são extremamente eficazes, com dados concordantes e às vezes melhores do que os apresentados nos estudos de fase 3.

Existem dados que permitam avaliar se as vacinas têm eficácia perante as novas mutações, ou a junção de mutações de vírus?
Sim, existem. As vacinas parecem ser bastante eficazes para a variante do Reino Unido e menos eficazes para as variantes da África do Sul e do Amazonas. Qual será o impacto real desta perda de eficácia ainda se está por saber.

Imaginando um cenário em que se cria imunidade de grupo graças às vacinas, a partir de que taxa de imunidade poderíamos “voltar ao normal” e deixar de utilizar máscaras?
É difícil dizer. Aponta-se para números entre os 60 e 90%, mas devido ao que tem acontecido em Manaus não é possível concluir, sequer, que a imunidade de grupo venha a ser uma realidade. Também ainda não sabemos qual a duração da imunidade conferida pela vacina ou mesmo pela infeção. Teremos que esperar.

Apesar de existir menor conhecimento na 1.ª vaga, a 2ª e 3ª foram mais mortíferas. Quais os motivos?
Na primeira vaga, devido ao desconhecido, tomamos medidas de prevenção de propagação da infeção muito mais duras. Na segunda e terceira vagas relaxamos e isso traduziu-se num pior controlo de infeção, aumento de casos e aumento de mortalidade.

Podemos perspectivar uma 4ª vaga depois do verão?
Tenho sérias dúvidas que venha a acontecer uma nova vaga no Verão. A grande preocupação será o próximo Inverno.

Este inverno o número de mortes disparou, mas a gripe a as subsquentes pneumonias quase “desapareceram”. A Covid-19 “não permitiu” o desenvolvimento da gripe sazonal?
Não foi isso que aconteceu. O que assistimos foi a uma diminuição de todas as doenças respiratórias graças às medidas de contenção da propagação do SARS-CoV-2, que foram extremamente eficazes a reduzir outras doenças respiratórias. Havia a hipótese da “competição” entre doenças respiratórias, mas essa hipótese foi colocada de lado por causa de países como a Nova Zelândia, onde todas as doenças respiratórias, incluindo a COVID-19, colapsaram.

O vírus veio mesmo para ficar tal como a gripe e será sazonal?
É uma possibilidade. Outra possibilidade é tornar-se uma simples constipação como os restantes coronavírus. Mas ainda é cedo para saber o que vai acontecer.

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