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08 MAR 2021
OPINIÃO | "Solidão?", por Anabela Ferreira
Por Jornal Abarca

A psicologia tem áreas fascinantes. Há testes básicos, uns mais fiáveis do que outros, alguns pertinentes, outros nem tanto. Há um muito simples e de fácil compreensão que consiste em pedirmos a qualquer pessoa que diga, sem refletir, uma palavra ou palavras ao acaso. Quando se pergunta a um jovem e a sua resposta é a palavra solidão algo está mal, algo se torna preocupante. Bem sei que o contexto é de ostracismo imperativo e imposto para autopreservação. Contudo, com as múltiplas formas de comunicação, as redes sociais, a presença à distância, deveria ser menos lancinante, ou, pelo menos, mais esbatida.

A mente dá saltos e, tal como no teste suprarreferido, ocorreram-me duas palavras: Pebble Beach. Contudo, porque estas duas palavras significam realidades bem díspares, sobrepuseram-se duas imagens. A primeira, e imediata, foi a imagem do Lone Cypress (cipreste solitário), ícone da solidão. Trata-se de um cipreste que resiste às adversidades numa agreste costa rochosa da Califórnia, alvo de romarias fotográficas dos turistas. A segunda, foi, de facto, também uma praia, com o mesmo nome, mas de Triopetra, na ilha de Creta onde, entre outros locais da Grécia, gostaria de um dia caminhar. Não confundir com a praia que possui igualmente o mesmo nome, mas seixos monocromáticos (pretos e brancos, sim, o preto não é uma cor, mas um tom, ausência de luz) em Omã. Aqueles, ao contrário destes, são um arco-íris de seixos, uma festa de smarties.

Da Grécia vem ainda uma imagem, de um antigo complexo fabril de couro, hoje bairro abandonado, de pura desolação de um nome que facilmente retive – Tabakaria – por associação ao poema “Tabacaria” em que Álvaro de Campos (Pessoa) tem alguns dos seus mais belos e tristes versos (“Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” ou “Falhei em tudo.” e um que sempre que a gula me apoquenta digo repetidamente: “não há mais metafísica no mundo senão chocolates.”… “Come chocolates, pequena;/ Come chocolates!”).

Ora, de costa em costa, talvez porque confinamento oblige, e a mente procure as suas fugas saltitantes, numa viagem pelo som, ouvi em pensamento uma parte da composição de Mendelssohn (“As Hébridas”, op.26), ocorreu-me a ligação também à imagem de um sítio igualmente distante e desconhecido, que inspirou estes sons que reproduzem os ecos da caverna marítima designada Caverna da Melodia. Esta localização tive de ir pesquisar: situa-se na ilha deserta de Staffa, na Escócia, e possui a particularidade de ter o mesmo aspeto de basalto em hexágono da Calçada dos Gigantes, na Irlanda, porque, referiu a minha busca, ambas tiveram a sua origem vulcânica na formação pelo fluxo de lava. Interessante!

O elo de ligação é óbvio, locais inóspitos, salvo Triopetra, isolados, solitários. E o jovem de novo a repetir a palavra solidão.

Se serve para algo, convém os adultos responsáveis, no meio de todas as suas preocupações, estarem também atentos a mais este aspeto da vida dos seus filhos e ou educandos: a solidão que é causada por este isolamento. Há jovens que se encontram por um fio, apesar de todos os esforços dos professores, agora que estão afastados dos seus pares. Também nisso, nas relações humanas afetuosas, a escola é insubstituível.

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