Home »
14 ABR 2021
OPINIÃO | "Tristezas à beira-rio", por Armando Fernandes
Por Jornal Abarca

O escritor e historiador Manuel Pinheiro Chagas escreveu o suspiroso romance Tristezas à Beira-mar, hoje nas catacumbas da obscuridade, que, no entanto me estendeu a ideia para o título desta crónica na qual vou dar azo a falar em tristezas pessoais e alheias a povoarem a minha mente nestes pardacentos tempos de pandemia.

As minhas tristezas radicam-se no tempo perdido em conversas até altas horas da noite onde discutíamos o futuro do Mundo num fundo paisagístico impregnado de facilidades holísticas pontilhadas de asperezas surreais. Explicito: o Tejo corre ancho, nele as lampreias e os sáveis gargalham nas faces glabras ou barbudas dos pescadores especialistas no fornecimento dos restaurantes mercê de lei discriminatória. A carência na abundância é um absurdo triste a ensimesmar o racional a apelar ao escarafunchar o passado levando a amargas surpresas, aquilo que julgava ser apenas prodígio de um tampão da memória de há quarenta e três anos revelou-se incómoda e pungente chaga do provérbio nem tudo o que reluz é oiro. E, então! Então o equívoco recai inteiro sobre os ombros do equivocado. Eu.

O rio civilizador tem autoridade milenar, tem o registo de Yourcenar – o tempo esse grande escultor – só que a escultura impõe rudes trabalhos de escopro, martelo e cinzel no desbaste da pedra bruta equivocada alicerçada na tormentosa evidência que o tempo não volta para trás, assim o cantava o cançonetista de uma só canção.

O rio leva punções tão tristes quanto as dos ocupantes da barca de Caronte no Hades da sempre lembrança de ser um estudioso da sabedoria. Apesar da presunção ou não soube ou não teve em atenção o que a Musa lhe disse na viagem do deslumbramento.

Já aquela tinha terminado a doçura do seu canto e a doçura do carme ainda me tinha preso, ávido de a escutar, ainda com os ouvidos atentos.

E, agora receio os remédios capazes de apaziguarem o tumulto na ânima do pensamento, como se fosse o feroz vozear das águas no auge das cheias que tudo levavam, deixando lama bem mais tarde transformada em húmus vivificador nos alvores da Primavera que ora principiou.

A primavera anuncia-se soalheira, os políticos prenunciam folga no confinamento, as crianças sonham risos, brincadeiras, felicidade desde o róseo alvorecer do dia até o firmamento resplandecer. Talvez consiga dobrar o Cabo da esperança em melhores dias, mais horas de consolo vindas da Musa cantada por Camões, o poeta que nadou nas águas do Tejo e das lampreias disse serem amorosas chupa pedras.

(0) Comentários
Escrever um Comentário
Nome (*)

Email (*) (não será divulgado)

Website

Comentário

Verificação
Autorizo que este comentário seja publicado



Comentários

PUB
crónicas remando
PUB
CONSULTAS ONLINE
Interessa-se pela política local?
Sim
Não
© 2011 Jornal Abarca , todos os direitos reservados | Mapa do site | Quem Somos | Estatuto Editorial | Editora | Ficha Técnica | Desenvolvimento e Design