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03 FEV 2022
ECONOMIA | Euro: Muito mais que uma moeda
Por André Rodrigues

O Euro entrou em circulação há vinte anos. Entre críticas pela perda de poder de compra e argumentos de defesa como elemento unificador do projecto europeu, a moeda única ainda não é consensual. André Rodrigues, economista e analista financeiro na Deloitte, faz um balanço destas duas décadas.

A introdução de uma moeda única no espaço europeu é uma questão que, desde a sua génese, dividiu opiniões e suscitou um amplo debate. A diversidade, desde logo cultural e linguística, mas sobretudo económica e de equilíbrio de finanças públicas dos vários estadosmembros configurava (e configura) um desafio estrutural para um projecto ambicionado praticamente desde o início da “construção europeia” e cujas bases foram definidas no Tratado de Maastricht assinado em 1992.

Nesse contexto, seria adequado começar por uma reflexão de natureza económica para avaliar o Euro desde a sua introdução física em Janeiro de 2002. Saliento, no entanto, e de forma primordial, a sua natureza política. De facto, se o processo de construção europeia é, até hoje, um bem sucedido projecto de paz, o Euro é uma face tangível, no nosso dia a dia, desse desígnio. E isso, por muitas críticas e várias delas legítimas, que se possam colocar à sua criação, é um valor maior que não deve ser subvalorizado.

De um ponto de vista económico, a introdução da moeda única em Portugal permitiu a consolidação do processo de descida de taxas de juro e de inflação reduzida iniciado nos anos 90 (decorrente da entrada na então CEE em 1986). É inegável que a facilidade de comparação de preços para produtores e consumidores num mercado de 340 milhões de pessoas e os impactos positivos para negócios e turismo (desde logo pelo fim das trocas de moeda) são vantagens adicionais do Euro. De forma complementar, o “factor confiança”, intangível mas crucial, que uma moeda partilhada por 19 países aporta é um vector relevante para um bem que é mais que um meio de pagamento ou uma mera unidade de conta, sendo também reserva de valor e símbolo do projecto comum. Relembro, a propósito, uma frase lapidar e emblemática de Mario Draghi, então presidente do Banco Central Europeu (BCE) no Verão de 2012, num momento crítico para a Zona Euro: “O BCE está preparado para fazer o que for necessário para preservar o Euro e acreditem que tal será suficiente”.

Várias críticas são apontadas à moeda única: sim, o processo de conversão levou a um aproveitamento de vários agentes económicos que induziu um aumento de preços superior à mera conversão Escudo-Euro e isso repercutiu-se no nosso custo de vida (mas não, os preços não duplicaram). Por outro lado, a adopção de uma moeda única implica perda de soberania em termos de política monetária (gerida ao nível do BCE) e cambial (a desvalorização da moeda foi, historicamente, uma solução para ganhos de competitividade tão imediatos quanto conjunturais). Sim, a pertença a um espaço com o perfil da Zona Euro implica disciplina orçamental, respeito por regras comuns e perda de soberania em matéria de política económica e, em sentido mais amplo, de um símbolo da nacionalidade, o escudo.

Em qualquer caso, o Euro é hoje indissociável de um processo amplo e cuja construção continua em curso. Se a crise de 2009/2010 abalou de forma profunda várias economias europeias e originou divisões visíveis entre países do Norte e países do Sul da Europa que colocaram em causa a continuidade do projecto, a verdade é que esse momento “refundador” induziu a criação de novos mecanismos de coordenação e de supervisão à escala europeia, uma união bancária Europeia, um Fundo de Garantia de Depósitos Europeu ou, mais recentemente, no contexto pandémico, a emissão de dívida garantida a nível europeu, ferramentas que eram lacunas estruturais e peças em falta na criação de uma União Económica e Monetária.

Sem prejuízo de prós e contras, a aceitação do Euro é hoje sólida. De acordo com o mais recente inquérito “Eurobarómetro” publicado pela Comissão Europeia (Dezembro de 2021), 78% dos inquiridos a nível europeu responderam que “ter o Euro é algo positivo para a União Europeia” (82% em Portugal).

Creio, e permitam-me um parágrafo pessoal, que a assimilação da nova moeda foi demorada. Parafraseando a célebre expressão pessoana, primeiro estranhou-se e depois entranhou-se à razão de 200,482 para 1. Confesso, ainda assim, alguma nostalgia. Nascido no início dos anos 80 aprendi a fazer contas, a pagar e a poupar em escudos. Ainda hoje, admito, o faço em alguns momentos (quem, tendo hoje mais de 30 anos, nunca deu por si a pensar ”isto são X contos!“?). Recordo na memória, com saudade, as notas com as efígies de Vasco da Gama ou de Pedro Álvares Cabral. Mas essa nostalgia, citando Ruy Belo: ”era o passado e podia ser duro edificar sobre ele o Portugal futuro”.

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