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23 AGO 2022
OPINIÃO | "Amor-Menos-Que-Perfeito e Diplomacias de Domingo", por José Alexandre
Por Jornal Abarca
  1. Cai-me nos olhos outro curso da net sobre Literatura Portuguesa para Estrangeiros (grátis, é claro). Um desastre, bem-aventurados os pobres de espírito. Novamente o acento tónico encaixa no drama patológico do “Amar” e “Amor” - sobretudo o quinteto Camilo, António Nobre, Cesário Verde, Soares dos PassoseFlorbela Espancasenta-se no banco dos fatalismos irremediáveis. Como nenhum resistiu em ir ao sótão abrir as arcas e pesquisar o amarcomo, quem, quando, onde e porquê, sofreram o contágio impiedoso das parcas: 2 suicídios e 3 tuberculoses. E o curso até citaMalheiro Dias: Amaram a morte porque era a única porta de saída. Pensaram que a alquimia do Amor seria perfeita, o que é errado. Entre nós,amor-perfeito só a flor e mesmo esta, precisa de água sem parar.”Ou seja, deduzem que a geração ultrarromântica como não aceitou, doesse a quem doesse, que somos polígamos de sentimentos, auto destruiu-se.

Pondo as espinhas do exagero na borda do prato, talvez haja alguma razão. Entre nós, o coração joga um bocado à cabra cega. Se por um lado, conjugamos o “Quero amar, amar perdidamente”; acarinhamos a profecia serrana do “Mal abria os olhos já era para te ver”;imaginamos com respeitoas tíbias e perónios que jamais serão vencidas (“2esqueletos, um ao outro unidos, foram achados num sepulcro só.); do outro lado, fica-nos a teimosia secular de salvar as aparências, o parecer defensivo, reservado, protegido por alguma indiferença exterior. Custa-nos bastante soltar da boca “Amor” e “Amar” por dá cá aquela palha.

Daí pular de carrossel - alteramos verbos, eliminamos frases e palavras, inventamos outras. Agora não há “amantes”, “amásias”, “amantizados,só os de faca e alguidar, copiados da novela das 9. Nem o adultériodistribui culpa no divórcio. Agora o nosso software já vem de fábrica com “namorar,namorado, namorada, fazer meia azul, abiscoitar, amanteigar, cambalhotas na palhota, entrosar, estagiar lençóis novos, ligar à corrente, tricotar, enrolar, açucarar o fim-de-semana, maridar, petiscar na horizontal, rebuçado novo,a lista só aumenta.

Mas a alternativa mais saborosa é sem dúvida “gostar”. A tal que nem às paredes se confessa. Em Portugal tanto se gosta de alguém, de uma cidade, canção ou perfume como de língua de vaca com ervilhas.

 

2. Desconfio haver muito boa gente que nas eleições, lá votar, vota. Mas porque ninguém lhe pede opinião, sente-se ultrajado, reduzido a mero número de eleitor democraticamente marginalizado. Logo, é do contra. Contra alguém, contra uma campanha, um programa eleitoral, enfim, contra seja o que for. Vinga-se no boletim e tem muito gosto anónimo em fazê-lo. Depois, é arrasar quem perdeu – e adorar ter ajudado a dar a volta ao prego. Uma coisa aprende - quem for eleito mas menos alargou promessas e juras de futuro olímpico, é quem menos frustra quando nada faz. Dá alguma boa contabilidade para a nova eleição.

3. Diplomacia com honra ao mérito é com a D. Otília. Vai para os 80, lenço de Alcobaça, olhos de azeitona por cima dos óculos, pouco lhe escapa. Muda flores, limpa altares, lava corredores e bancadas da igreja de Valezim, afinal vive ali perto. Tudo com bênção do padre João. E não recebe um tostão – tudo pelo descanso eterno do marido, rezem-lhe PN-AM. Mas ao domingo, antes da missa das 9, senta-se nas escadas da entrada, passa a pente fino quem chega. Se conhece, acena com sorriso breve. Se não conhece, levanta um sorriso nas alturas: “- Obrigado Senhor, recebi agora a melhor prenda. Se a pessoa pergunta porquê, fácil a resposta: “- Porque ao ver a sua cara, soube logo que é boa pessoa, pede a Deus por todos nós, pobres, doentes e sozinhos.” Invariavelmente resulta, rodam-lhe alguns Euros na palma da mão, não se faz rogada: - Não digo que não me dê jeito, obrigada. Mas olhe que muito mais fico a dever a Nosso Senhor, porque quem dá aos pobres, empresta a Deus.”O sorriso agradado de quem ouviu ou já conhece a estratégia, é inevitável. O padre João que o diga – deve notar como muitos se benzem com mais fé e devoção quando começa a missa.

4. Conheci o major Aristides há uns bons anos, já reformado compulsivamente por Salazar. Por escrever o que pensava, não tanto pelo que dizia, foi sempre de poucas sílabas. Ouvi-lhe um desabafo que ficou padrão:- Admito que falo pouco. Mas interrompeu-se logo, num desgosto autocrítico: - Mas que disparate,já gastei 4 palavras!Mas veio o 25 de Abril. Fui vê-lo, abriu a porta, sorridente, aliviado, alma lavada, farda pronta. E disse tudo: - Voltei! 

5. Qualquer verdade que abra os portões à liberdade é recebida de braços mais que abertos. Mas nem sempre essa “verdade” é a que mais convém ou agrada a gregos com ou sem troianos. Simples detalhe… político, claro.

6. Pedir desculpas depende às vezes mais de quem as recebe do que quem as dá. É como repor um relógio de parede a trabalhar, sem lhe dar corda.

7. No xadrez, só quando cai o Rei é que acaba o jogo. Um escândalo, restos de monarquia abjeta! Pode durar horas. E ele todo triques, entretido a limar as unhas, a ver 8 Peões, 2 Bispos, 2 Cavalos, 2 Torres e até a sua fiel Rainha serem traulitados, arruados, sacrificados. E se lhe pedem socorro, ainda tem o descaramento de se desculpar, só pode andar uma casa de cada vez. Isso no meio de 64 casas do tabuleiro! Nem pergunto para quando um 5 de Outubro no xadrez…porque o outro Rei fica-se a rir.   

8. A ternura por uma criança é puro instinto. Não se vende nem se substitui. É pavio de vela que consegue aumentar a chama por quanto mais tempo se estenda a memória.  

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