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20 SET 2022
OPINIÃO | "98", por Ricardo Rodrigues
Por Jornal Abarca

Foi este o número que me impressionou. Num passeio de férias pelo Norte decidi (re)ver um Mosteiro. Para o alcançarmos é necessário caminhar uma distância de aproximadamente 700 metros no total: metade para lá a descer e no retorno, obviamente, a subir. É um percurso feito maioritariamente sob pedra rolada com a agravante de ter chuviscado logo no início da caminhada. O que é aparentemente fácil para uma pessoa jovem, pode ser uma epopeia para alguém com idade mais avançada.

98 anos. Pense bem: esta pessoa nasceu em 1924. Já era vivo quando nasceu a RTP; era um adolescente de quinze anos quando Hitler decidiu invadir a Polónia; aos 45 viu o homem pisar a lua; tinha já 50 anos quando Portugal conheceu a liberdade; quando as Torres Gémeas caíram já vira passar 77 primaveras. Pelos seus olhos já passaram quase todas as imagens com que possamos sonhar. Mas nem assim perdeu a vontade de viver.

Conversámos durante cerca de quinze minutos. Eu, a minha mãe, ele e a neta. Ao avô não lhe sei o nome. Conheci-o ali, naquele pedaço de tempo. Tão pouco na sua longa história, mas talvez um infinito para quem tinha de subir tudo novamente até ao estacionamento. O tempo é relativo. É do Porto “e está perfeitamente lúcido”, disse orgulhosa a neta. Adivinha-se um homem culto que soube juntar à sabedoria da idade a cultura das letras. Ponderado, afável e, garantidamente, um lutador.

Não sei se foi cumprir alguma promessa. Algum desejo final. Mas que outro homem além de um lutador tem a força para desafiar todas as leis e, passinho a passinho, cumprir o desejo de ver o tal Mosteiro? “Tira-me uma foto”, pede à neta antes de partir colina acima. Quer uma recordação: para ele e para a neta, no dia em que partir. Mas quer, acima de tudo, uma prova de vida. Aquela fotografia é o testemunho do homem lutador que não desistiu de viver.

Essa força de não virar a cara à luta, de não baixar os braços, de não desarmar é a maior lição que trago daquele percurso que faria em cinco minutos e que, assim, demorou um pouco mais.

Da neta, a quem também não soube o nome, mas soube pedaços da sua história –  até que viveu grande parte da sua vida perto de mim, mesmo sendo de Braga – ficam-me as palavras mais bonitas. Enquanto segurava o avô pelo braço, auxiliando-o naquela caminhada que ele ousou cumprir (com sucesso), enquanto o deixava seguir o caminho ao seu ritmo, sempre com um sorriso no rosto, apresentou-nos o avô: “É o amor da minha vida”. Há coisa mais bonita?

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