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01 JUN 2017
Povo Peregrino
Por Jornal Abarca

Fátima faz parte da identidade nacional. Ao centenário devidamente comemorado com eventos culturais e religiosos de vária ordem, veja-se a vasta e rica agenda cultural que possui desde música sacra barroca, passando por concertos, até coros de canto gregoriano, juntou-se a vinda do Papa que lhe ampliou o enfoque para a canonização de duas crianças. Ainda por cima não é um Papa qualquer! É consensual a visão deste como um dos, se não o melhor Papa de sempre, espelho de tolerância, proximidade e carisma.

Este fenómeno de Fátima pode ser visto, por um lado, de uma perspetiva factual e racional. O que se sabe ou se julga saber deixa algumas dúvidas e muitas interrogações. Pontos de secretismo, desconhecimento de factos e até de pessoas, como a existência de um quarto pastorinho presente.

Contudo, e por outro lado, nem sempre é a abordagem mais evidente a mais adequada. Fátima é fé. E esta não se explica. Pode-se conhecer ou não, crer ou não, mas só vivendo-se nos poderemos pronunciar acerca da emoção, pela perceção, claro, e pela fé, evidentemente.

Sendo cristã, não fervorosa de Fátima, reconheço, pois recorda-me demasiado o episódio do templo dos vendilhões, respeito quem faz promessas e acredita piamente na história. Também já cumpri, na juventude, uma promessa de ir a Fátima a pé, depois de uma recuperação, longa e dolorosa, de um acidente de viação que deixou limitações residuais. Cumpri-a assim que me considerei apta a fazê-lo, consciente de que seria a melhor altura para a realizar. A partir daí, as minhas capacidades de mobilidade não iriam melhorar. Parti com receio de não conseguir completar a viagem, mas iniciei-a com convicção. Não sendo habituée, mas tendo ido várias vezes a este local de culto, só uma única vez lá estive de facto. Explico: de todas as vezes, para mim, estar lá foi, apesar das diferenças, objetivos e contexto, não muito diferente de estar noutro sítio de culto qualquer. Exceto de uma vez, que foi a suficiente. Após a caminhada penosa da subida da Serra, colmatada com a longa e arrastada chegada pelo Bairro, que psicologicamente é a parte do percurso mais difícil, pois a Serra sabe-se obstáculo difícil, uma reta sem fim em que teoricamente já passámos o mais difícil, mas que parece infindável, e com Fátima já ali… torna a peregrinação tortuosa.

A chegada à Cova de Iria traz alívio e sensação de missão cumprida, mas, no meu caso, trouxe algo que nunca soube e que ainda hoje não consigo explicar. Senti uma paz, uma presença de algo que me tocou no mais recôndito do meu íntimo como um afago e uma emoção tão forte que só consegui expressar pelo silêncio e pelas lágrimas.

Anos mais tarde, o meu irmão, com outro grupo de peregrinos, cumpriu igualmente uma promessa e, posteriormente, desabafou comigo que todos lhe perguntavam, à chegada, se estava bem, pois não conseguia parar de chorar. Confidenciou-me que não percebeu o que lhe aconteceu, mas que algo se passou, pois só lhe apetecia chorar e, sendo já jovem adulto e homem, o facto causou alguma estranheza aos membros do seu grupo. Entendemos ambos que nunca o conseguiríamos expressar ou explicar, mas que, provavelmente, ambos sentíramos, inexplicável e misteriosamente algo próximo ou semelhante.

Falei deste assunto com algumas pessoas, várias respeitaram, algumas entenderam, e poucas, raras até, passaram por algo próximo.

Podemos racionalmente acreditar ou não, mas só a vivência poderá determinar a nossa perceção.

De todo o Portugal partiram pessoas, por vários meios, por múltiplos motivos, desde a caminhada, passando pelo convívio, até à peregrinação impregnada de devoção, com percursos longos, morosos, penosos e diversos. Também da minha escola, de Mação, parte habitualmente um grande grupo de caminhantes/peregrinos, até nisto é uma escola sui generis.

O dia 13 de Maio fica na História de Portugal: tivemos Fátima, Futebol (grande Benfica!) e o Salvador (sim, o Sobral).

Posso terminar com duas ideias. O caminho é uma aprendizagem, tal como a vida, sobretudo uma autognose. A força de vontade, a abnegação, a determinação e o espírito de sacrifício do peregrino são admiráveis e merecem uma sentida homenagem.

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