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09 AGO 2017
Entrevista - Adelino Lourenço Gomes: "O nosso país é fértil
em negócios escondidos!"
Por Jornal Abarca

É vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses e Comandante dos Bombeiros de Constância. Tem 62 anos, 41 dos quais como soldado da paz. Nesta entrevista fala dos lobbies da indústria dos fogos, dos problemas da floresta e acusa os nossos governantes de desleixo.

É aceitável Portugal assumir naturalmente que tem uma “época de fogos”?
Não, não é aceitável. Nós temos o Dispositivo de Combate a Incêndios que funciona entre 15 de Maio e 15 de Outubro. Este é o espaço temporal que se definiu como a “época quente” e resulta da falta de cultura de muita gente. A cultura mesmo assim começa a ser diferente, até por aquilo que temos sofrido nestes anos todos, mas existe ainda uma grande falta de preparação. E depois existe outra coisa que são os pirómanos, que gostam de ver o aparato dos bombeiros, os meios aéreos, os helicópteros, os carros a apitar. Uma loucura…

Considera que tem existido uma cumplicidade entre os negócios privados e as entidades governamentais?
Não. Sempre ouvi essas críticas mas eu não vejo isso assim. O negócio é uma coisa que tem de ser feita. Se os bombeiros precisam de uma agulheta, alguém tem de vendê-la. Agora não acredito que alguém provoque um incêndio para vender a agulheta. Não acredito que isso possa acontecer.

Álvaro Barreto saiu da Presidência da Sociedade Portuguesa de Celulose para se tornar Ministro da Agricultura entre 1984 e 1990, voltando então para o anterior cargo. No período em que foi governante ordenou a plantação em massa de eucaliptos, podendo ter utilizado a sua posição enquanto ministro para beneficiar a empresa. Isto retrata o famoso “lobby das celuloses”?
O “lobby” é uma coisa que existe em qualquer país democrático. Em relação a esse caso não sei se houve ou não aproveitamento. Se houve é muito mau. Esse foi um período em que foram criadas algumas condições, e pode ter tido a influência do ministro, de desenvolvimento da celulose em Portugal e que muitas empresas se juntaram para criar o grande negócio da indústria de papel. Se isso tem alguma coisa a ver com o resto? Poderá ter, as coisas encandeiam-se. Mas não quer isto dizer que tenha sido aqui criado um grupo de malfeitores. Há coisas positivas, as celuloses criaram uma indústria de defesa das florestas, inclusive com helicópteros. Estão sempre no teatro das operações para defender o património nacional. Neste momento não são o inimigo. Agora se este grande império foi criado à custa de outro tipo de benefícios, não sei…

Em 2013 o governo liderado por Pedro Passos Coelho aprovou uma nova lei da arborização do território nacional em que 92% da área de novas florestas ou reflorestações estava dominada por eucaliptos, “o petróleo verde”. Há interesses por trás disto?
Não são interesses. É desleixo. Temos a mania de fazer as leis, mas não as regulamentamos ou esquecemo-nos que elas existem. São feitos projectos para plantar eucaliptos, às vezes em sítios incríveis onde poderia haver tudo menos eucaliptos, e existe um prazo para responder a estas solicitações. Se ninguém responder que não é possível plantar, e isto passa pelas autarquias ou Ministério da Agricultura onde há desleixo, o tal império aproveita e planta eucaliptos porque ao não haver resposta em 60 dias está aprovado. Acho que não há interesse político, porque senão seria de toda a gente, há autarquias de todos os partidos que não respondem nos prazos. E isso prejudica altamente o património nacional.

Nos anos 80 e 90 a Força Aérea Portugues (FAP) combatia os incêndios e alguns pilotos nacionais são ainda recordistas mundiais com 30 descargas num só dia. Os sucessivos governos foram retirando estes aviões à FAP preferindo pagar cerca de 35 mil euros à hora a privados para fazer o combate aos fogos. Estamos perante algum outro tipo de lobby na indústria dos incêndios?
Para mim é uma falácia completa quando dizem que as avionetas colocam fogos. Agora em relação à Força Aérea: os C-130 não descarregavam água mas sim retardante para depois os bombeiros actuarem mais facilmente. Foi importante mas não era eficaz. Além disso os kits existentes não são adaptáveis aos actuais aviões de apoio a incêndio. Por outro lado, os helicópteros da FAP têm um poder de elevação muito reduzido e levam apenas 1000 litros de água de cada vez… isto não dá rentabilidade. E ainda há outra questão, a legislação portuguesa obriga os pilotos a voar algumas horas e depois têm de parar. Não é compatível ter uma aeronave duas horas num incêndio e depois pararem. Os helicópteros das empresas privadas não têm de respeitar este tipo de comportamentos de segurança. Desde que os concursos sejam feitos com a maior lisura não vem daí mal ao mundo. Pagar a privados não quer dizer que seja menos rentável.

Existe uma “indústria do fogo escondida dos portugueses com interesses económicos por trás” como denunciou o jornalista Hernâni Carvalho?
Não sei… o que posso dizer é que em todos os negócios do mundo há o “chico-espertismo” e há aqueles que se governam e os que se desgovernam. É natural que existam lobbies, que exista aqui um negócio escondido, este país é fértil nisso. Não é que eu tenha conhecimento de algo, mas não nego, conheço o país onde estou.

As aldeias de Ferrarias de São João e Casal de São Simão, no distrito de Leiria, decidiram cortar a zona eucaliptal à volta das localidades e substituíram-na por outras árvores folhosas autóctones, mesmo sem autorização para tal. Considera esta atitude irresponsável ou corajosa?
Acho que é corajosa e conscenciosa. Cria um tampão à volta das aldeias porque estas árvores retardam os incêndios. O incêndio venha com a violência que vier, ali pára. Isto é a consciência e a tal cultura que deve ser implantada em Portugal. Deveriam ser as próprias autarquias a tomar estas iniciativas. Este comportamento e esta cultura que se vai desenvolvendo em Portugal é algo que estamos a aprender com as desgraças. Quando as desgraças acontecem é preciso que alguém pense um bocadinho porque é que aconteceram para não se voltarem a repetir. Isto é a cidadania a funcionar.

O ordenamento da floresta pode ser a solução para anos consecutivos de incêndios em Portugal?
Era bom que se aprendesse com os erros. Há anos que falam no ordenamento da floresta mas ele não existe. O cadastro é muito importante para tornar a floresta rentável.

Em 2005, Gonçalo Ribeiro Telles afirmava que “vamos muito brevemente ser um Estado sem território”. Doze anos depois a discussão permanece. Como vê esta inoperância das entidades competentes?
O resultado está à vista. Nada foi feito. Ribeiro Telles tinha consciência do que estava a dizer e todos temos consciência do que se pode fazer. É o tal desleixo: o proprietário não tem capacidade económica para fazê-lo, o Estado não o faz… tem de se impor uma cultura de rentabilidade da floresta. Pode levar gerações a fazer mas alguém tem de começar. E esta é a altura ideal.

O Relatório das Mudanças Climáticas publicado em 2014 pela ONU apontava para a alta probabilidade de ocorrência de grandes fogos em Portugal. O que foi feito, inclusive pela Liga dos Bombeiros Portugueses, no sentido de prevenir males maiores?
Nós costumamos dizer que não somos governo, porque se fossemos muitas destas coisas eram resolvidas. Mas não nos calamos. E todos os dias chamamos a atenção para estas coisas. Mas o político deixa andar. Os planos não passam do papel. Nós queremos fazer porque temos consciência de que no fim da linha isto vai sobrar para nós. Voltamos a Pedrógão: o IPMA avisou com antecedência de que íamos ter trovoadas secas e toda a gente sabia isso. Nós balanceámos meios para a zona de Abrantes por causa desse aviso e em São Miguel do Rio Torto agarrámos o fogo. Mas ninguém ouviu o IPMA! É o tal desleixo de quem está à frente das coisas.

Se os bombeiros têm um sistema interno de comunicação, compensa ao Estado pagar a um privado para fornecer um serviço que falha regularmente?
O SIRESP se funcionasse era muito bom. Os bombeiros sabem que em determinadas zonas não têm rede, logo não têm sistema. Mas faltam muitas coisas ao SIRESP porque custa dinheiro. Não consigo perceber o negócio SIRESP. Como é que se gastam milhões num negócio e não se tem rentabilidade deste sistema. Porque este sistema que deveria funcionar falha quando não pode falhar porque não tem capacidade. Tentaram acabar com o nosso sistema de comunicações mas nós nunca deixámos. 

Considera que falta meios aos bombeiros para combater os incêndios?
Os bombeiros são voluntários mas têm empregos para sustentar as suas famílias. Quando questionam onde andam os bombeiros na altura dos fogos, a resposta é que muitos deles estão a trabalhar para sustentar as suas famílias. E muito fazem as empresas quando os dispensam para eles andarem a combater incêndios. Os meios humanos existem, mas faltam condições aos bombeiros e aos empresários para que estes possam estar a apagar incêndios. Em relação aos meios materiais, considero que os bombeiros têm o suficiente para socorrer e fazer prevenção. Os fundos comunitários foram uma importante alavanca neste sentido.
 
A Associação Nacional de Bombeiros Profissionais veio defender a existência de 1200 bombeiros florestais profissionais em Portugal, medida que custaria anualmente cerca de 20 milhões de euros. Julga que faria sentido ser reactivado o Corpo Nacional da Guarda Florestal para vigilância permanente das nossas florestas?
Chamem-lhe o que quiserem, mas isso faz sentido. Era importante termos guardas florestais equipados. Mesmo para quem faz mal, só o facto de saberem que está lá alguém a controlar já os demove. Há um poder persuasivo nestas coisas. E há sapadores florestais que grande parte do tempo andam a limpar valetas e jardins. Ponham-nos durante o ano nas florestas a fazer trabalho de prevenção. Os 20 milhões de euros não é muito dinheiro se compararmos com o que se gasta depois no combate. Temos de deixar de gastar no combate e investir na prevenção.
 
Um dos grandes debates da opinião pública prende-se com a limpeza das matas. Como considera a hipótese de colocar militares e presidiários a realizar esse trabalho de prevenção aos incêndios?
Isso não funciona. O mais importante é criar um cadastro para se saber de quem são os terrenos. E saber se a pessoa quer rentabilizar ou não o terreno. Se a pessoa não quer saber do terreno entra num banco para que alguém possa trabalhar aquele terreno. E há quem faça esse trabalho de limpeza. Os tais sapadores, e próprias empresas que se dedicaram a isso. Mas isto é tudo muito difícil porque existem muitos interesses por trás.
 
Como é que os bombeiros reagem perante a questão da justiça com tantos fogos postos todos os anos e os incendiários que ficam em liberdade?
Isso desmotiva as autoridades. Um sujeito que confessa que pôs um fogo e depois o Juiz o solta porque é o coitadinho que a mulher o deixou ou porque estava alcoolizado… o polícia para a próxima pensa de outra maneira. O que é que interessa à sociedade que ele seja bêbado? Tem de se criar condições para ele não repita aquilo, ocupem-nos a trabalhar. A justiça no capítulo dos incêndios florestais funciona mal.
 
Muitos bombeiros queixam-se dos baixos salários que recebem. Compensa ser bombeiro em Portugal?
Não. Compensa apenas pela vontade e o altruísmo de servir a sociedade e o que nos é incutido enquanto jovens. Isto é uma escola da vida. E quem entra nunca mais consegue sair, é como um vírus que não sai de nós. É verdade que na actual sociedade este 1,80€ por hora que ganham é muito bom no orçamento de uma família. Mas é muito mal pago. Um preso para andar a apanhar papéis na praia com um gancho ganha mais que isto…
 
O jornalista Hernâni Carvalho considera que “os bombeiros deveriam ter benefícios fiscais”. Se a  opinião fosse levada à prática promoveria a condição dos bombeiros?
É uma luta que travamos há muitos anos: o cartão social do bombeiro: não pagar taxas moderadoras, taxas menores no IRS, benefícios autárquicos em taxas, etc. Mas isto esbarra em muitos organismos, nomeadamente as autarquias. Há umas que dão tudo e outras que não dão nada. Isto pode ser quase insignificante, mas é um estímulo, é uma forma de se sentirem valorizados e apoiados pela sociedade. É uma luta terrível conseguir que todos tenham a mesma visão.
 
Falta sensibilidade aos nossos políticos para abordar estas questões?
Falta muita sensibilidade em coisas fundamentais. Têm de criar-se condições aos bombeiros porque neste momento cai tudo em cima das associações. Os meios não são para os bombeiros, são para todos nós. Porque quando alguém precisa, somos nós a ir lá.
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