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01 NOV 2017
Conversa sobre nomes
Por Jornal Abarca

O nome de cada um revela muito da pessoa, mas a personalidade também molda o nome. Entenda-se nome como totalidade, isto é, primeiro nome, nome ou nomes intermédios e apelido ou sobrenome.

Os apelidos remetem não só para a origem familiar, mas também nacional. São a marca de cada língua e de cada povo. Em alguns países da Europa do Norte, a constituição de turmas tem especial atenção aos nomes e sobretudo apelidos. Será pouco provável misturarem-se alunos de apelidos, por exemplo, hispânicos que indicarão filhos de imigrantes com alunos de sobrenomes nacionais. A clivagem faz-se desde o início.

Por outro lado, se a pessoa se apresenta com um nome como Rute Marlene, o preconceito faz-nos, de imediato, pensar num determinado tipo de progenitores.

A escolha do nome pelos familiares obedece ainda a modas ou vagas. Há a época das raparigas com o nome Maria, Joana, Beatriz e até Anabela, tal como dos rapazes com o nome Manuel, João, Bernardo, Santiago… pode ser porque a vizinha escolheu esse nome para a filha, porque a personagem principal da novela da noite tinha esse nome, porque o herói do romance que estamos a ler assim se chama, como no caso de Carlos Eduardo da Maia…

Este nome carrega ainda outro aspeto interessante. A partícula de. Na França esta aponta para a nobreza. Ora, qual não foi o espanto de muitos franceses quando apareceram imigrantes portugueses abundantemente acompanhados desta, como é o caso dos da Silva, de Noronha, de Oliveira…

Pegando neste último apelido, este aponta-nos, geralmente, porque as generalizações costumam ser erradas e eu até sou relativista, para cristãos-novos, pois à falta de um sobrenome cristão, estas famílias “optaram” por nomes de árvores e também de animais. Uma visita ao Museu de Belmonte elucida-nos destas circunstâncias e condicionantes afins.

O sobrenome pode ter ainda o toque snob na grafia. Tal como a senhora que, ao dizer o seu nome, refere “Mello, mas com dois l”(e não me estou a referir a Sophia (com ph) de (lá está a partícula) Mello Breyner, grande poeta (digo assim, pois engloba os dois sexos tornando-a maior) e mulher do nosso país. Há quem mantenha casamentos para manter sobrenomes, imagine-se…

Este caso leva diretamente à adoção do apelido pela mulher, ao casar, do sobrenome do marido. Coisa mais aberrante que me causa um estranhamento visceral. Nada tenho contra quem o faz. Assim foi com a minha mãe, avó, bisavó, tetravó ou tataravó, quinta avó, sexta avó… e mais não sei da genealogia, pois o meu apelido é Ferreira, com muito orgulho, de gente trabalhadora e honesta, mas seguramente não tem nada a ver com os Ferreiras nobres descendentes do 1º Barão de Ferreira! Talvez esta estranheza me venha da leitura do romance Madame Bovaryde Gustave Flaubert, quando era muito jovem, e da tomada de consciência da perda da pobre Emma Rouault, quanto a mim tão injustiçada, apesar de moral e socialmente condenável. Curioso foi que o autor, ao defender-se em tribunal devido ao escândalo provocado pelo romance, se assumiu como sendo a personagem, com a célebre frase “Emma Bovary c’est moi!”. Em todo o caso parece-me que seria justo, se a mulher adotasse o apelido do homem, este também adotasse o dela, não? Ora, não há a partilha, porque não é recíproco. Mas esse ponto nunca se verifica. Ou estou enganada? A mulher é que passa da égide do pai e ascendentes para a do marido e respetiva família. Passa a ter a marca da família do marido.

Em todo o caso significa, para mim, perda de parte da identidade. Por me casar nunca deixaria de pertencer, até no sobrenome, à minha família para ingressar noutra. Podem argumentar que acumularia sobrenomes e famílias. Certo, mas o último nome é só um e esse é, no meu entender, o que marca a identidade dos progenitores. Claro que nada é perfeito e numa sociedade patriarcal, como é a nossa, outra coisa não seria de esperar que o nome do pai e não o da mãe é que fosse o derradeiro. Isto significa, obviamente, apesar de já me ter apercebido que os jovens não estão disto conscientes, que o apelido e família respetiva só perduram no tempo enquanto houver elementos do sexo masculino a nascerem nessa família.

Há ainda outro aspeto. Em caso de divórcio, a burocracia é ainda fastidiosamente maior e, apesar de não ser comum as pessoas casarem-se a pensar no divórcio, talvez seja um aspeto a considerar se atentarmos na taxa de divórcios. Há que ser prático.

Nesta sociedade patriarcal – já me têm chamado feminista por menos, mas, de facto, não o sou de todo, por vezes penso que em vários aspetos até sou muito machista… apenas defendo a igualdade de géneros que para mim deve ser óbvia, porque estamos no século XXI, tal como respondeu o primeiro-ministro do Canadá na época “Porque estamos em 2015” – a língua é dominada pelo masculino. Veja-se a sintaxe. Basta um elemento masculino no grupo para a concordância ser masculina. Deste facto e das diferenças de géneros entre as palavras de línguas diferentes, devido ao desaparecimento do género neutro do latim, nas línguas românicas, e à diferente perceção dos povos, que constitui uma das maiores dificuldades para falantes estrangeiros, também seria interessante falar, mas terá de ficar para outra conversa.

Parece-me óbvio, assim, que o nome faz parte e contribui para a identidade, contudo, no que depende do indivíduo, também a escolha do nome diz muito acerca deste.

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