Dias tristes e cinzentos. O rei-sol só consegue transmitir uma luz branca sem brilho.
A chuva, bênção divina, fonte de vida, atenua a calamidade que transforma os rios em tímidos regatos. Nos campos ressequidos desponta uma frágil vegetação. As árvores despiram-se, sem que antes, numa despedida, ostentassem quentes tonalidades de esperança.
Qualquer dia, a vida vai renascer. Mas até lá...
Nascer e morrer fazem parte do mesmo ciclo. Por educação, religião, crença, fé, ou lá o que for, pelos menos para nós ocidentais, a morte é sempre um corte e com ele a incapacidade de ouvir a voz dos que partiram, de sentir a sua pele, de olhar nos seus olhos...
Para atenuar a dor, até às festas da fertilidade, quis o calendário introduzir a festa da família, em torno do nascimento do Menino Deus. Os homens, “transmitindo” a vontade dos deuses, arranjam sempre um escape para suprir o que mais os atormenta.
O Natal está a chegar e com ele (quero acreditar) o reencontro à mesa da consoada. O doce calor do conforto de quem connosco partilhou grande parte das nossas vidas, mesmo que o seu lugar, deixado vago, seja ocupado por outros bem mais novos... De quem connosco apanhou musgo nas pedras e nas pernadas das árvores; de quem nos ensinou a magia de transformar farinha, ovos e açúcar em doces delícias. De quem em grandes panelas afogava a couve para o bacalhau alto e suculento que lascava ao primeiro toque.
Mais do que as luzes, mais do que a corrida desenfreada pelas ruas atoladas, mais do que os embrulhos coloridos, mais do que tudo o que pouco dura, é a arte de saber sentir. Faz parte do ser e tal como a vida renasce para mais um ciclo.
“Chove. É dia de Natal
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
Fernando Pessoa, in ‘Cancioneiro’
Bom Natal e Bom Ano Novo!