Ganhar uma guerra: este é um conceito que tenho muitas dificuldades em entender. Sobretudo porque ganhar é uma expressão que cria em mim a ideia de alegria, felicidade e, também, de um proveito. Uma guerra não é nada disso: é dor, é agonia, é perda.
Há, claro, um lado que sai dominante. Atentemos no caso mais mediático da história contemporânea: os aliados ganharam a segunda guerra mundial aos Nazis (não gosto de dizer aos alemães porque rotula um povo inteiro). Mas o que ganharam afinal? Feitas as contas, e apenas contabilizando os países vencedores, registam-se mais de 60 milhões de mortos. Os teóricos podem transformar isto em “baixas” ou “danos colaterais”, como os EUA começaram a fazer na Guerra do Vietname quando matavam inocentes, mas seja qual for a semântica continuo sem vislumbrar aqui qualquer tipo de alegria, felicidade ou proveito.
A expressão “danos colaterais” é apenas a manga da camisa quando se trata de relativizar a vida humana. Cada vez mais a guerra – e a morte – é secundarizada. Por todos nós: comunicação social, líderes mundiais e população em geral.
Um atentado que mate centenas de meninas indefesas na Nigéria não nos incomoda porque “é lá longe”. Só nos comove quando o terror se aproxima. No fundo, a morte não nos atormenta. Apenas o medo quando o terror invade o nosso sistema de vida desperta em nós alguma reacção.
Há páginas na história que me envergonham enquanto ser humano: o genocídio do povo arménio, a “Rusga do Velódromo de Paris” (e todos os dias da vergonha que foi a segunda guerra) ou o massacre de Srebrenica são bons exemplos de como a comunidade internacional, seja lá isso o que for, convive bem com a morte de inocentes.
Actualmente, vivemos uma das maiores vergonhas da história da humanidade e isso, subitamente, é apenas entretenimento nos nossos ecrãs. Toda a guerra que envolve o território da Síria vai fazer com que as gerações seguintes olhem para a história e nos perguntem: “Como é que deixaram isto acontecer?”.
No dia 20 de Fevereiro, um bombardeamento levado a cabo por forças próximas a Bashar Al-Assad atacou uma maternidade perto de Ghouta. Sim, uma maternidade, matando bebés recém-nascidos, mães com sonhos, pais que não mais o são. Engulo em seco vezes sem conta sem saber o que escrever sobre isto. É aqui que se ganha uma guerra?
Os refugiados desta guerra vivem, ainda, sob o rótulo da ignorância que confunde conceitos e nos diz que “eles são todos iguais”. Como se um refugiado fosse um turista ou um emigrante. Como se o facto de acreditarem num Deus diferente do nosso os condenasse a serem os maus. Como se houvesse bons nesta guerra.
Em abril de 2016 visitei a ilha onde Nelson Mandela esteve preso quase três décadas, Robben Island, ao largo da Cidade do Cabo. O guia da visita, antigo recluso, contou-nos uma história: um dia, após uma visita, perguntou a uma senhora branca (porque isso não é irrelevante ali) de onde ela era ao que ela respondeu: “sou do inferno”, sintetizando assim a vergonha que sentia por viver num mundo onde aquilo aconteceu.
Não sei quem ganha uma guerra. Mas sei quem são os que perdem sempre: os inocentes.