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20 DEZ 2021
OPINIÃO | "Aniversários", por Anabela Ferreira
Por Jornal Abarca

Há dias, numa conversa informal de átrio, com alunos, um perguntou-me: “De que ano é a setora?” Deu-me vontade de rir, como se de um vinho a que se atribui o ano de colheita se tratasse, foi a forma tangente de perguntar a minha idade. Depois, a rápida admoestação de uma aluna com o habitual argumento de que não se pergunta a idade às senhoras fez-me mesmo rir, enquanto concordava com a jovem. Mas deixou-me a pensar… isto de todos os anos fazer mais um é um aborrecimento. É que é sempre a somar… e, de facto, já são bastantes…

O mês que se determinou ser o do nascimento de Jesus, também é o mês em que faço anos. Não que os comemore. Há muito que o não faço, se é que alguma vez o fiz. Nisto não há tristeza alguma, talvez até seja para encarar como uma condicionante de quem é, e de alguma forma sempre foi, privilegiado.

Na infância, pelo facto de o aniversário ocorrer entre o Natal e o Ano Novo, nunca se comemorava com festa. Lembrava-se apenas. Ainda andávamos fartos de doces do Natal e habitualmente ainda por lá havia uns bolitos, uma doçaria natalícia, umas travessas de fritos… e já se pensava nos preparativos para a passagem de ano e para o Ano Novo, com os assados no forno a lenha e os doces que sempre se faziam. O pior era o débito de prendas quando alguns familiares diziam que a prenda do Natal era também já para os anos. Disso eu não gostava.

Na adolescência, com os complexos inerentes e a timidez mais que muita, longe de mim deixar que me cantassem os parabéns fosse onde fosse. E assim foi passando também a juventude. Contudo, recordo um ano, no remoto ano de 1995 (já lá vão tantos!), em que por circunstâncias especiais me cantaram, e de surpresas, os parabéns. Fiquei envergonhada, mas comovi-me até às lágrimas. Tinha tido um acidente de viação grave, entre outras mazelas, fiquei com as duas pernas partidas, estava há meses sem trabalhar, presa em casa numa cadeira de rodas. O que para mim hoje seria terrível, não só física, mas psicologicamente, naquela altura, jovem, muito mais ativa e com algum dinamismo, tornou-se pura tortura. Ocupava literalmente todo o tempo, as longas horas que permanecia em casa, sobretudo com a reabilitação, mas também leitura, visionamento de filmes, música… enfim, até uma carpete enorme em ponto de Arraiolos, que ainda uso orgulhosamente na sala de jantar, eu fiz. Uns colegas-amigos da Chamusca (basicamente quase o mesmo corpo docente do meu grupo de recrutamento que ainda lá permanece) bateram-me à porta. Traziam um bolo de aniversário e uma panela gigante de sangria. Fizeram questão de cantar os parabéns e não tive como evitá-lo. Ainda hoje moram no meu coração (não só por isso, claro), apesar de não os ver há anos, e dessa tarde nunca me esquecerei. Tive direito aos Reis Magos a duplicar.

Uma curiosidade é que na Grécia Antiga se homenageava anualmente a deusa Ártemis da caça com um bolo de mel e velas, informação útil para quem quiser fazer a festa e legitimar a doçaria e as velas.

Além disso, fazendo como inicialmente, as comemorações dos aniversários eram exclusivas das pessoas da elite ou dos deuses. Ora, não pertenço a nenhum destes dois grupos, por isso… Presentemente somo anos e, como Álvaro de Campos, “Duro”, pois “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,/ Eu era feliz e ninguém estava morto.” “Agora quase fósforo frio”… A vida é uma dádiva que nem todos recebem e renovam. Há que valorizá-la e apreciá-la. E, como a própria palavra de origem latina que significa “Aquilo que volta todo os anos” (annus e vertere – ano e voltar ou mudar), em cada volta, ainda que de um carrossel atribulado se trate, dar graças a Deus por mais um ano.

Por tudo isto, há que reconhecer a bênção da vida e das pessoas maravilhosas que me cercam, é um privilégio viver no mesmo espaço temporal delas, algumas são verdadeiras inspirações e uma delas um anjo que me acompanha e me ilumina o meu caminho e da qual eu nunca agradecerei suficientemente o privilégio de pertencer à minha vida.

Concluo, neste tempo de balanço, desejando os parabéns a todos os que como eu existem, a vida é sempre legítima de se comemorar, e sobretudo a quem nele comemora também o seu início de vida. “Sejam felizes!”

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