Neste ano que finda em breve e se comemora, em substituição das saturnálias romanas ou do começo do inverno de todos os povos, a família. Confesso que não sei o que dizer. Por esta altura, a porta do meu avô estava aberta a todos, esquecendo momentaneamente quezílias e até ofensas, porque era Natal e a conciliação assim o determinava. Mas não se trata de arrufos ou zangas, acontece que nos últimos dois anos a família minguou de forma drástica e dolorosamente definitiva.
Habituei-me a não ter Natal em família, mas nos hospitais, nas urgências dos hospitais, comemorando com muita gente desconhecida um Natal comum, triste e sofrido, profissional, a dor e a morte sob estrelas enganadoras de merry christmas e pais natais irradiantes de felicidade em grotesca simbiose. Mesmo assim, confortava-me saber que em casa a família acolhia um pai natal a distribuir presentes, havia calor e fé, se riam das mesmas histórias que passavam de geração em geração e, mesmo não crentes em deuses, celebravam com o vigor ancestral quer Saturno, quer o inverno, a família.
Não somos sentimentais de se ver na cara. Fomos treinados a resistir à dor. A uma dor de cada vez. Mas há um limite para tudo e neste Natal, nem Saturno, nem os troncos a arder nas encruzilhadas me chamam para celebrar. Não tenho nada para celebrar.
Que muita gente reinvente um natal menos triste, que possa ser feliz ao som dos coros ingleses. Merry Christmas for everybody, Silente Night, Jingle bells, que nos tempos que correm o marketing é em inglês.
Mais um natal. Uma data apenas.
Sejam felizes
Voto de Natal
Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.
E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!
Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida...
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.
Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
O calor destas mãos nos meus dedos tão frios?
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.
David Mourão-Ferreira (1927 - 1996)