Nós, os portugueses, vivemos tempos conturbados: vivemos no meio de grandes ilusões que a prazo nos vão custar caro, sobretudo em matéria de identidade.
A primeira grande ilusão:
Olha-se o casco histórico de uma qualquer cidade ou vila do interior de Portugal – e vê-se o quê? Casas vazias ou esventradas, comércios agonizantes ou simplesmente fechados; algumas, não muitas, pessoas que deambulam por ruas onde parece que o tempo parou ou não passou mesmo por ali.
A grande ilusão: a Câmara Municipal é que tem a obrigação de resolver este problema. De tão omnipresente que tal instituição é, por estes dias, nas terras do interior.
Neste caso a grande ilusão é acreditar que isso é possível: uma fábula que se tenta contar como realidade testada, mas que a realidade, ela própria, vem desmontando, ano após ano,…
A segunda grande ilusão:
Ande-se pelas estradas do interior de Portugal e o que é que se vê? Milhares de casas abandonadas, destelhadas, de paredes derrubadas, prenunciando um abandono verificado há muito. E os campos que ladeiam essas casas, o mais das vezes, não confirmam outra coisa que não esse desinteresse pelo interior, de onde as pessoas fugiram à procura de qualquer coisa,… Ou simplesmente porque deixaram de acreditar ou se desiludiram.
A grande ilusão: a de que Portugal conseguirá sobreviver apenas nessa faixa litoral, recheada de sol e de praias. Forças poderosas (e tenebrosas, convenhamos,…) tentam convencer-nos de que este é um processo normal, irreversível, fruto da evolução tecnológica, das alterações sociais,..
Mas isso é mentira, como podemos constatar através do exemplo de países da nossa dimensão, em que a coesão territorial é uma realidade.
A terceira grande ilusão:
Observe-se a evolução demográfica das principais cidades e vilas do interior de Portugal, sob o ponto de vista dos residentes e do saldo fisiológico (a diferença entre nascimentos e óbitos) e dificilmente não poderemos deixar de ficar (altamente) preocupados. Portugal caminha inexoravelmente para uma hecatombe demográfica no interior e está num processo de regressão secular, que nos vai pôr à beira de um abismo territorial: sem gente para executar as actividades mais rotineiras e assegurar a sobrevivência das comunidades que moldaram o país e a sua paisagem.
Mas, perante uma ameaça desta envergadura, faz-se o quê? Contam-se histórias, fabuliza-se, inventam-se estratégias que nunca serão operacionalizadas, porque não há gente para as executar.
Não tenhamos ilusões: há uma geração no poder que vai de mãos dadas com a desgraça que ocorre no interior de Portugal e parece viver inebriada com essa relação. Até um dia em que, por décadas, a catástrofe social, se torne impossível de reverter.
A quarta grande ilusão:
Os fogos recentes e as mortes que daí derivaram, recolocaram no centro do debate social a gestão pública, o modo como esta é exercida, como são escolhidas as pessoas que compõem esse corpo de gestores e como são essas pessoas avaliadas.
As opiniões mais abalizadas e o senso comum, convergem no sentido de reconhecer que somos mal geridos (governados) por pessoas impreparadas, recrutadas e seleccionadas através de métodos ímpios e processos corruptos (existem muitos exemplos públicos disso) e que muito do que acontece em Portugal se deve a este modo de encarar a gestão (da coisa) pública, de forma despudorada, sem rigor, sem critério (ou com critérios que têm pouco de técnico, mas muito de outros ingredientes).
A grande ilusão actual, em matéria de gestão pública, é a de que, não fazendo nada ou fazendo as coisas ao contrário do que a experiência e o conhecimento aconselham, se obtêm os mesmos resultados: o tempo que leva esta estratégia de actuação já é suficiente para mostrar que não é assim!
Há muitas outras grandes ilusões por aí. Na minha opinião cabe a quem vive estas realidades combatê-las. Não no futuro, mas agora. Antes que seja tarde.