O Eu e o outro foram em tempos os melhores amigos.
O Outro encontrou outros Outros e deixou o Eu para trás. Não fez por mal, foi mesmo uma questão de sobrevivência social.
Estava a ficar tarde, quase a escurecer, não podia perder a oportunidade de se juntar aos Outros e pertencer ao grupo.
O Eu olhou para o Outro e para os Outros. Não reconheceu o Outro e continuou a preferir desconhecer os demais.
Agarrou-se ao seu instinto e ficou propositadamente ainda mais para trás. Era altura de traçar o seu próprio caminho e recuperar o tempo perdido consigo mesmo.
Estava a ficar tarde, de facto. O dia deu lugar à noite, os pensamentos deambularam entre sonhos e preocupações e culminaram finalmente em planos e objectivos.
Primeiro que tudo, era preciso encontrar o caminho até casa. E estar grato por ter a chave de um lar onde vivem as pessoas que realmente importam.
O ter sido preterido pelo Outro, fez com que crescesse uma nova camada de pele sobre o corpo daquele Eu. Não é lisa como a ingenuidade que o acompanhou durante demasiado tempo. É áspera até. Tem inscritas as marcas da desilusão de uma amizade disfarçada e descartável.
Já não há espaço para rancor. Se foi assim é porque assim tinha que ser. O Eu percebeu que é preciso perder para mais tarde se ganhar. Ou recuperar.
O que realmente importa é saber que se faz parte de um todo, mesmo que o todo não inclua todos...