Cada vez que ligo para um organismo ou entidade a questionar qualquer situação e me respondeu: “é o sistema”, fico com os nervos em pé. O sistema, essa mítica figura sem corpo nem alma controla implacavelmente tudo e todos que perderam o nome para serem identificados por siglas e números. Há quem conserve o nome e aí o sistema numa vénia só possível com muitas horas de ginásio perde a autonomia. O sistema comanda o país há uns largos anos, bem antes da assustadora (pelo menos para mim que já deixei de acreditar na bondade de inventos contra-natura) Sofia saber mudar os canais de televisão dos Cristianos (pai e filho).
O sistema era para ser tema do editorial pela sua transversalidade, mas outro “valor mais alto se alevanta”. Chama-se LIBERDADE.
Sim liberdade. A maior conquista, a única que permite que mesmo que os processos prescrevam em tribunal é possível falar deles. Ser livre, no sentido mais lato, é a único sentimento que conduz à felicidade.
Abril trouxe a liberdade a um povo que no Cais da Rocha do Conde de Óbidos acenava os lenços brancos a um navio que sem olhar para trás deslizava lentamente nas águas do Tejo carregado de mancebos para um destino incerto, para uma guerra perdida desde o início. A chegada era mais alegre, mas quantos dos que esperavam já não podiam abraçar os seus. “O soldadinho não volta do outro lado do mar (…) o soldadinho já volta, vem numa caixa de pinho”.
Abril 2018! Quarenta e quatro anos depois. Estava sol. Ouvi “Grândola, Vila Morena”, o Hino do MFA (Ocean Wave) cumprindo uma tradição familiar que os meus filhos nascidos mais de um década depois 1974 perpetuam. Vale o que vale. Vale a memória de ter saído à rua, na Honda amarela e anotar num caderno, que ainda conservo, as frases escritas nas paredes. Vale a alegria de sentir um povo a cantar, de participar em manifestações, de gritar palavras de ordem e de saber que o Zézito não me diria mais “tenho medo dos pretos, porque eles vão matar-me quando eu for grande”.
Porque defendo que somos, o que nos é inato e o que os anos vividos nos foram ensinando, conservo e preservo a memória, não numa viragem ao passado, mas porque é o que determina o meu (creio que o de todos) o futuro.
Abril é e será sempre Abril, a não ser que a memória o esqueça.