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23 DEZ 2019
Natal dos Esquecidos
Por Jornal Abarca

É um projecto de cariz social do CASA (Centro de Apoio ao SemAbrigo) com o objectivo de angariar presentes para os moradores de rua nesta época. Cátia Matias conta-nos como surgiu esta ideia e como se tornou num sucesso.

Depois da reportagem “Estação do Fim da Linha”, na edição de Natal de 2017 do Jornal abarca, voltamos a falar com o CASA sobre um dos seus projectos, que já vai na quarta edição.

Atende-nos o telefone Cátia Matias, 31 anos, voluntária do CASA. A jovem começa por explicar que não foi a mentora do projecto: “Duas amigas minhas, a Teresa e a Mariana, foram para Paris e tiveram esta ideia”. É aí que entra Cátia, que trabalha na agência de publicidade Fuel, e foi vista pelas amigas como a pessoa ideal para operacionalizar a ideia. Pôs mãos à obra e criou o “Natal dos Esquecidos”. A ideia é simples: os voluntários que fazem a distribuição de refeições pelas ruas da capital vão recolhendo cartas dos sem-abrigo com pedidos de presentes que gostariam de ter. “Quando lhes damos a oportunidade de pedir um presente eles nem sabem o que dizer”, conta. “Não estão habituados a receber este miminho”. Costuma dizer-se que “quando a esmola é muita, o pobre desconfia”. Pouco habituados a presentes de Natal, os sem-abrigo ficam, invariavelmente, sem saber o que pedir. Por isso “tentamos perceber a história de vida e os gostos pessoais deles”, explica Cátia, que em 2016 fez a recolha de todos os pedidos sozinha. Sublinha que “os pedidos são maioritariamente de sem-abrigo” mas também de outras pessoas que o CASA ajuda e “que têm problemas financeiros”. 

Depois de recolhidos os pedidos, a carta é colocada na página de Facebook do “Natal dos Esquecidos” e “em cinco minutos tenho dezenas de e-mails de pessoas que querem adoptar a carta”, diz. A escolha é feita pela pessoa que se ofereceu primeiro. Isso traz problemas de “gestão de expectativas”, como explica Cátia: “Há pessoas que se queixam que já tentaram adoptar várias cartas e não conseguem”, lamenta. Para esses casos “explicamos que há outras formas de ajudar”, concretamente com bens necessários para a actividade diária do CASA como guardanapos, roupa e produtos de higiene. 

A adesão tem aumentado anualmente e, à data da nossa conversa, das 55 cartas colocadas na internet, 53 já foram adoptadas. “Houve um senhor que pediu uma casa, que é mais complicado, e outro senhor que pediu uma prótese dentária mas já estamos a tratar disso”. Nestes casos, o utente é levado à clínica e a pessoa que adoptou a carta paga directamente no local, isto porque “não lidamos com dinheiro, quem quiser fazer donativos pode fazê-lo directamente ao CASA”, explica. 

O presente é oferecido pelo voluntário que recolheu o pedido e quem adoptou a carta, por norma, recebe uma foto ou um vídeo da entrega. “Algumas pessoas querem entregar pessoalmente, mas não queremos tornar isto num circo”, diz. A forte adesão resulta, também, desta personalização que o projecto oferece. 

Apesar de ser a gestora do projecto, Cátia não está sozinha nesta tarefa. Conseguiu contagiar Ricardo Gavinhos, Beatriz Pires e Sofia Almeida, colegas na Fuel, que a ajudam neste desafio.

Um altruísmo egoísta 
O título desta entrada pode parecer paradoxal mas, de facto, são dois sentimentos que se misturam no voluntariado. “As pessoas falam em altruísmo mas fazemos isto também porque nos sentimos bem, há aqui algum egoísmo”, assume Cátia. “O essencial é que a nossa presença no mundo faça a diferença”, acredita. 

E, de facto, torna-se difícil para Cátia explicar o sentimento das pessoas quando recebem os presentes. “Ficam estupefactas, mas muito contentes”, conta, “sobretudo no primeiro ano porque avisámos sempre que podia não ser possível receberem o presente”.

Lembra, com mágoa, “um senhor romeno que tinha pedido uma viagem para regressar a casa, e houve um grupo de pessoas que se disponibilizaram para oferecer a viagem”. Infelizmente “nunca mais encontrámos o senhor, ele desapareceu”. A maioria das pessoas pede bens materiais mas, este ano, “houve um rapaz que pediu ajuda psicológica”, conta com a emoção na voz. “Um pedido destes, sobretudo de alguém com 22 anos, é um grito de ajuda”, não duvida. “Houve pessoas que se emocionaram e ele já está a frequentar consultas psicológicas”.

Em compensação há outros casos que aconchegam o coração. “No primeiro ano recolhíamos pedidos com meias gigantes na rua onde as pessoas colocavam as cartas”, explica. “Certo dia um voluntário deparou-se com dezenas de postais de Natal que as crianças de uma escola tinham deixado com mensagens para entregarmos aos semabrigo”. Cátia lembra também “um senhor que queria ir ver um jogo de futebol e a pessoa que lhe comprou o bilhete foi com ele” como um momento de grande alegria que marca quem trabalha para proporcionar estes bocados a quem pouco tem.

Memórias que fazem com que Cátia não duvide da mais-valia do “Natal dos Esquecidos”: “Isto é cansativo, mas o que me interessa aqui é que as pessoas recebam um presente, que de algum modo se consiga transformar este num dia menos mau no ano”. Porque, mesmo que não haja boas acções sem egoísmo, o melhor da essência do ser humano está em dar de si aos outros.

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