Aparenta ter chegado ao fim a margem económica para manter o Estado de Emergência. O Governo aliviou o confinamento e isso torna inevitável um confronto difícil: a necessidade de abrir a economia e os riscos para a saúde pública.
O Primeiro-Ministro António Costa já tinha dado os primeiros sinais na terceira votação sobre o Estado de Emergência, a 16 de Abril, quando no parlamento disse: “Espero sinceramente que esta seja a última vez na nossa vida que estejamos aqui a debater o decreto do estado de emergência”.
Não há, naturalmente, interesse económico em que o confinamento se prolongue. Como escreveu Pedro Santos Guerreiro, jornalista do Expresso, o que estamos a viver “não é uma recessão económica, mas uma destruição da economia”. Perante os resultados positivos que o combate à pandemia tem demonstrado, torna-se expectável um regresso moderado e gradual da actividade económica. Também porque a isso se junta um certo e notório esgotamento dos portugueses, encarcerados em casa há mais de um mês e meio.
Em contraponto a esta necessidade de restaurar a normalidade dentro do possível estão, naturalmente, os riscos de aumento de contágio e consequente impacto na saúde pública. Portugal não passou pela fase de choque que outros países europeus viveram, nomeadamente Itália, Espanha, França e Reino Unido, e isso parece ainda criar algum desleixo na população. A sensação, até pelas mensagens veiculadas a nível oficial de que o pico da curva epidemiológica já foi atingido – como se essa variação fosse uma ciência exacta e não uma resposta ao comportamento das pessoas -, de que “o pior já passou”, poderá trazer uma segunda vaga pior do que a primeira no nosso país.
As várias teses: da iminente “catástrofe” ao “vírus bonzinho”
Grande parte dos epidemiologistas, profissionais de saúde e peritos tem-se mostrado contra o levantamento das medidas de confinamento.
Por exemplo, especialistas do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge mostraram-se bastante reticentes sobre o levantamento do Estado de Emergência nesta fase em que a margem de manobra ainda é bastante reduzida. O que mais temem é o aumento da taxa de contágio por doente, ou seja, o número em média que cada infectado contamina.
Este receio é justificado com os dados mais recentes. A 27 de Abril a Ministra da Saúde, Marta Temido, revelou que a média de infectados por cada doente subiu de 0,95% para 1,04%, apelando a uma maior adaptação dos cidadãos a viver com a pandemia, o que contrasta com o levantamento das medidas de quarentena. O ideal seria manter este número abaixo de 1 pois só assim é possível reduzir o número de casos activos da doença.
Angela Merkel, Chanceler da Alemanha, resumiu esta ideia de forma muito simples a 16 de Abril: “Se chegarmos ao ponto em que cada pessoa infecta 1,1 pessoas iremos atingir o limite de resposta do nosso sistema de saúde em Outubro; se esta taxa subir para 1,2 atingiremos esse limite em Julho; e se subir para 1,3 só aguentaremos até Junho”. Merkel alertou assim para uma “margem muito curta” prevenindo para os riscos que o excesso de confiança pode provocar.
Michael Ryan, da Organização Mundial de Saúde, assumiu a 20 de Abril que “os números indicam que Portugal está a agir de forma correcta”. Ainda assim, especialistas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) deixaram no mês de Abril um aviso aos vários governantes: aliviar as medidas de quarentena tão cedo pode ter efeitos catastróficos.
Em contraponto com esta mensagem surge, precisamente, a da investigadora portuguesa Maria Manuel Mota. Em entrevista ao Expresso no mês de Abril relativizava o impacto da Covid-19: “É importante as pessoas não entrarem em pânico, este é um vírus relativamento bonzinho”. Alertando para a necessidade de “proteger os mais idosos” assumia que “não se pode estagnar a vida dos mais jovens”. A diretora do Instituto de Medicina Molecular valorizou o facto de o vírus “praticamente não afetar crianças, adolescentes e jovens adultos” para justificar o regresso à normalidade. “Temos de arranjar maneira de que eles continuem a viver a sua vida, não pondo os outros em risco”, disse ao semanário.
Aprender com os exemplos
A premonição de “catástrofe” do MIT dá como exemplo o caso de Singapura. Ainda em Janeiro, após ser detectado o primeiro caso de Covid-19 no país, os responsáveis não hesitaram e tomaram medidas extremas. Os resultados foram evidentes: a 01 de Abril Singapura registava apenas 1000 casos confirmados e 3 óbitos por Covid-19, o que levou a elogios de todos os cantos do mundo.
Assumindo que “o pior já passou”, foram aliviadas as medidas de quarentena e isolamento social. Apesar de o número de mortos não ter crescido muito, cifrando-se nos 14 à data de fecho desta edição, o número de contágios sobe agora descontroladamente com cerca de 15 mil infectados.
O mesmo aconteceu na ilha de Hokkaido, no Japão. A estratégia de isolamento adoptada em Fevereiro fez cair os números de infectados o que levou ao levantamento do Estado de Emergência a 19 de Março. Tal como em Singapura, os novos casos começaram a surgir e, face à previsão de um novo descontrolo, a 16 de Abril foi decretado um novo Estado de Emergência.
Há decisões que têm de ser tomadas, e a questão económica não pode ser descurada. As medidas a adoptar terão de ser monitorizadas diariamente mas, mesmo assim, é por ventura impossível acertar na resposta para esta decisão. Talvez o problema nesta hora difícil seja exactamente esse: não há uma resposta certa.